E assim se chegou ao derradeiro dia do NOS Alive 2018 – mas antes da celebração maior que foi o regresso dos Pearl Jam a Algés, muito caminho havia por fazer.
Ainda não eram cinco e meia da tarde quando fomos assistir, no Palco Coreto, ao concerto de Primeira Dama. Pelo nome do artista, parecia tratar-se de cavalheirismo da nossa parte, mas não foi essa a razão. Queríamos mesmo ouvir Manuel Lourenço e por isso deixámos para trás os também portugueses Churky (boa secção de sopros e ótimo sentido melódico, by the way) e os The Last Internationale e fomos até ao extremo do recinto. Lá estava ele, em estilo fato de treino, bem na sua onda (onde cabe, por exemplo, B-Fachada) a cumprimentar o público presente (“como é, meus putos?”). A manejar teclas e electrónicas variadas, Primeira Dama tocou temas seus e até estreou uma cover de José Mário Branco. Depois do “tiroliroliro” de outros tempos e de “Mariana”, pouco mais se registou. Para início de festa, foi em bom empurrão.
Bateu Matou é um projeto de três conhecidos bateristas da praça lusitana. Quim Albergaria, RIOT e Ivo Costa resolveram juntar-se à volta dos seus instrumentos de eleição com a ideia de nos fazer dançar. Por cima de uma base previamente gravada e cantada, o ritmo fica por conta deles. Numa hora mais adiantada, o recinto do NOS Clubbing estaria à pinha e ondeante como uma discoteca de Santos. Cansa um pouco, ao fim de algum tempo, mas a ideia é interessante, sim senhor. Com uma cerveja nas mãos, fica ainda melhor.

Passagem para o palco principal e para a primeira viagem a Seattle no dia final de Alive 2018: os Alice in Chains são uma instituição que foi abalada com a morte de Layne Staley, em 2002, mas que Jerry Cantrell não deixou ir abaixo. Continuam a sair discos (há um agendado para o fim do ano), William DuVall, o novo cantor, cumpre bem a sua espinhosa missão, mas é, sem surpresas, no recuperar de repertório dos anos 1990 que os Alice in Chains mais fazem sentido. “Them Bones”, “Nutshell” ou “Rooster”, servido no final, continuam a fazer sentido: é rock negro, intenso, ótimo. Concerto só para fiéis, é certo, mas fiéis de muito bom gosto.
Real Estate, depois. A banda de Brooklyn, New Jersey, atuou no Palco Sagres pouco passava das 19 horas. Sabe bem, por vezes, ouvir um som mais clássico, mais a puxar aos verdadeiros e mais antigos clássicos dos anos 60, 70, 80. Talvez fosse essa a razão de não estar muita gente a assistir ao concerto. É que estes putos de hoje preferem outros sons… Tocaram algumas possíveis canções do próximo disco (ainda não decidiram as que irão entrar no alinhamento), mas a avaliar pelas amostras, não se desviarão um milímetro daquilo que lhes conhecemos. Concerto sem sobressaltos, tudo bem rodado, ideal para moderar os ouvidos dos sons bem mais roqueiros dos Alice in Chains. Mas os Franz Ferdinand estavam à porta, e já se ouvia, internamente, o chamamento da banda de Kapranos e companhia. Lá fomos nós.

Franz Ferdinand abriram a noite (ou fim de tarde, se quiserem) em grande estilo com “Do You Wanna” e o público foi cantando “lucky lucky” em sinal de agrado. A pronúncia escocesa não se notou, quando ao fim do primeiro tema avançou com um “boa noitchi” que mais parecia vindo de Curitiba. Depois, de seguida, atacou com “Dark of the Matinee” e a vibe retrô pop-rock entusiasmou o vasto lençol humano à sua frente. No entanto, podendo ser impressão nossa, a “rotação” parecia um pouco lenta. A razão talvez fosse o “bring me water” de “Always Ascending”, em vez de “bring me beer”. Pode fazer toda a diferença a escolha de um ou de outro desses líquidos. Com alguns contrastes no ritmo do concerto, Franz Ferdinand foi misturando temas velhos e antigos, uns mais entusiasmantes do que outros, naturalmente, mas foi ficando a ideia de que algo faltava. Sem ser grave essa indefinida ausência, a verdade é que foi sentida. A saída de Nick McCarthy terá deixado vazio e mossa? Pois, parece-nos bem que sim.
Entretanto, um dos poucos heróis nacionais da música portuguesa tocava no EDP Fado Café. O senhor Jorge Palma veio em dose dupla, e ainda bem. Para ele e para quem conseguiu arranjar lugar nesse exíguo espaço de concertos. Nós, infelizmente, nem o cheiro das canções conseguimos sentir. Foi pena. Sentimo-nos “Só”. Adeus, amigo Jorge. Até um dia destes.

Como Clap Your Hands Say Yeah estava mesmo ali ao lado, fomos ouvir um pouco do que o homem do chapéu/boné tinha para nos dizer. Enfim, como se não soubéssemos há muito o que seria. Pop-rock melódico, com energia quanto baste. O recinto do Palco Sagres estava a meio gás. Ainda fomos a tempo de ouvir duas ou três boas malhas, como “Upon This Tidal Wave of Young Blood”, e foi isso.
Fomos experimentar o português com sotaque da menina Mallu Magalhães. Trouxe uma banda de sete elementos (com o ilustre Marcelo Camelo nas percussões) e foi desfiando canções suas, da Banda do Mar e dos Terno, banda de São Paulo, como Mallu também é, apesar de cada vez parecer mais portuguesa. E lá surgiram “Me Sinto Ótima”, “Sambinha Bom” e outros tesourinhos de que o público sempre gosta de voltar a ouvir. E aos poucos, para não dizer de imediato, foi inevitável não “amar tão devagarinho” até ao fim do concerto. Mallu tem já, entre nós, uma legião de seguidores bastante considerável e surgiu no NOS Alive 2018 em dose dupla. Em “concerto surpresa” no segundo dia, ontem com direito a concerto grande e enchente de público a condizer com o seu atual estatuto. Como se diz no seu Brasil, é a “namoradinha” de todos nós. Pena a sua voz quase não se ouvir. Como foi possível não se corrigir esse problema durante todo o concerto? Mistérios…

Foco depois no palco principal para dois dos nomes mais esperados de toda a edição deste ano do NOS Alive: Jack White e Pearl Jam. Do primeiro, só elogios a fazer: o alinhamento foi superlativamente gerido, com passagens pelos melhores momentos a solo e grandes momentos dos White Stripes (inesquecível “I’m Slowly Turning Into You”) e também dos Raconteurs. A banda é boa, White é um músico imenso, e ficou a vontade de rever o músico em sala e numa noite dedicada em exclusivo aos seus fãs.
Muitos nas filas da frente haviam chegado cedo, bem cedo, para apanhar os Pearl Jam à vista desarmada e sentir de perto o suor e entrega de Vedder e companhia. Quem já viu os Pearl Jam ao vivo, já sabe ao que vai: alinhamentos diferentes mas um respeito inatacável pelo saudoso repertório pré-2000. Pelo meio, algumas – esquecíveis, admitamos – novidades, mas “Black”, “Jeremy”, “Even Flow”, “Alive”, tudo isso e tanto mais a fazer a festa. Eddie Vedder já não tem a voz do passado, mas compensa a lacuna com uma entrega superior e um carinho especial para com os fãs portugueses. Não terá sido inesquecível porque já tínhamos visto tudo isto no passado, mas foi obviamente bom e uma viagem sempre bem acolhida à nossa agitada adolescência. Ah, e houve Jack White em palco a ajudar no recuperar de um clássico de Neil Young. Tudo certo.

Elogios finais do NOS Alive para The Gift e At The Drive-In: os primeiros pela sabedoria em esgalhar um set dançante e certeiro para festival, com uma magnífica “Question of Love” no final; os segundos pela sova que só não foi maior porque ao terceiro dia de certame as pernas já não respondem como deviam, e porque lhes roubaram (termo excessivo?) uns bons quinze minutos ao concerto por via do atraso no início dos Pearl Jam. Eles bem se queixaram, mas de nada lhes valeu.
Quem também se poderia queixar dos Pearl Jam eram os senhores que se seguiam no Palco NOS, os norte-americanos MGMT. Para além do atraso de quase uma hora do horário previsto (já ele tardio), a tarefa hercúlea de suceder a um concerto destes é quase batota. Foi já com uma parca assistência (também muito devido ao atraso na desmontagem do palco dos Pearl Jam e montagem do seu próprio que, por sinal, era dos mais originais e criativos de todo o festival) que os MGMT tentaram agarrar um público desconfiado e necessitado de mexer as ancas. Fora em 2008 e os MGMT teriam agarrado o público como um touro pelos cornos, no entanto, o duo de Connecticut formado por Andrew VanWyngarden e Ben Goldwasser é, dez anos mais tarde, um conjunto muito mais letárgico, menos dançante e emergente. Desta maneira, o público só foi ao rubro, obviamente, com “Time To Pretend” e “Kids”. Foi clara a indiferença aos temas do último disco, Little Dark Age. Vendo o tempo passar e a pouca afluência de pessoas, a banda acabou por reduzir o seu set e foi embora mais cedo. Foi pena. E com isto fechava mais uma edição do certame de Algés.
O NOS Alive é um marco no ano musical. Continuemos a acarinhá-lo. Até já. Ou seja, até para o ano.
Texto: Carlos Vila Maior Lopes e Pedro Primo Figueiredo com Frederico Batista || Fotografia: Inês Silva e fotos oficiais NOS ALIVE devidamente creditadas