O segundo dia do NOS Alive começou de forma explosiva, passou por alguma melancolia, é certo, mas no geral foi de celebração guitarrística. Foi um grande dia de festival.
Em dia de rock, as guitarras no vermelho apareceram logo de início, talvez até demasiadamente cedo, até porque os Japandroids não facilitam. Tiro atrás de tiro, rajada atrás de rajada, até não haver sobreviventes. Basta uma guitarra, voz aos gritos e uma bateria louca. Tudo simples, tudo primário, mas tudo ok para o que o estilo em causa propõe. Os tais três acordes fazem milagres. Já com muita gente no Palco Sagres (outro dia, outra enchente) os canadianos fizeram o que havia a fazer: incendiar o espaço com a boa brutalidade do seu som e do seu ritmo. Sempre a abrir, como se deseja numa festa destas. As primeiras cervejas pelo ar do dia foram vistas (e sentidas) ao som dos Japandroids.
Depois, fomos numa corrida para Black Rebel Motorcycle Club – It’s only rock n’ roll and we like it. Competentes como sempre, os BRMC não perderam tempo para revelar os trunfos que há muito lhes conhecemos. Rock e blues, a combinação mais que perfeita. Sempre com estilo, sempre bem. Mas o tempo era escasso, e apesar de gostarmos muito destes motoqueiros, no Palco Sagres iam atuar os Eels e esse concerto não queríamos perder. Mas grandes BRMC, um “clube” de primeiríssima divisão. É tudo uma “Question of Faith”, como bem sabemos.

O “concerto surpresa” marcado para o Palco Coreto acontecia às 18:40 horas. Num pulo, fomos lá espreitar, e quem “apareceu” foi a paulistana mais lisboeta do mundo, a “menina” Mallu Magalhães. Apenas com a sua voz e o seu violão, o pequeno concerto que deu (no terceiro dia toca no Palco Sagres com banda) foi o suficiente para agradar a todos os que lá estavam. Cantou “Sambinha Bom”, “Me Sinto Ótima”, “Mais Ninguém” e poucas mais. Mas que foi um “mimo”, isso foi.

Nunca o escondemos. Um dos concertos mais aguardados pela equipa Altamont no segundo dia do NOS Alive era o de Mark Everett e companhia. Dito ainda melhor, o dos californianos Eels. Com um álbum novo em carteira (e um dos melhores do ano até à data, na nossa opinião) os Eels decidiram mostrar um bom bocado dessa sua nova colheita. Ainda bem. Como dissemos, Deconstruction é um disco excelente, e ouvir parte dele ao vivo ainda reforçou mais a nossa ideia inicial. O bom barbudo americano não desiludiu e mostrou-se à altura das melhores expectativas. Desde o já distante Beautiful Freak até ao LP deste ano, muito aconteceu na vida deste solitário do rock. No entanto, e apesar de nos ter dito que com a sua idade poderia cair a qualquer momento para o lado e que por isso seria melhor termos sempre as nossas “cameras rolling”, Everett está cheio de vida e de coisas para nos dizer. Coisas tão bonitas como “That Look You Give That Guy”, por exemplo, uma das mais bonitas canções que iríamos ouvir durante toda a noite. E comprovou-se o que diz a canção: “I’d Never Let You Down”.

Às 20:25 em ponto, os míticos Yo La Tengo subiram ao palco e abriram com “Big Day Coming”, numa versão um bom bocado mais roqueira. Estava lançado o mote para mais um ótimo concerto. Antes de mais, e para reforçar a ideia que todos terão, há que dizer que esta banda é uma verdadeira instituição no mundo da música mais alternativa. As idades dos seus integrantes são bem a prova disso. O trio de New Jersey esteve à altura dos seus pergaminhos, embora alguns irritantes problemas de som (nas vozes, sobretudo) tivessem prejudicado um pouco a andamento do concerto. Mas quando ouvimos “Mr. Tough”, por exemplo, nada mais interessa, até porque “everything will be alright”, como se canta na canção. O mesmo se passa com “Shades of Blue”, outro ótimo tema do recente There’s a Riot Going On. E não resistimos a referir uma terceira pérola, a intemporal “Sugarcube”. Entre canções suas e algumas covers (“Little Honda”, dos Beach Boys, por exemplo), o concerto dos Yo La Tengo foi uma lição de boa música, de bom rock sem tiques nem manias, um luxo a que tivemos o privilégio de assistir. O final com a contundente “Pass the Hatchett, I Think I’m Goodkind” foi estrondoso. Enormes!
Ao 15.º (!) concerto em Portugal, nova vitória para os The National. Matt Berninger, a figura maior, o vocalista icónico, está em boa forma física, bebe menos vinho em palco – a voz já teve melhores dias, reconhecemos, mas o concerto do NOS Alive mostrou uma vez mais uma banda segura, capaz de embalar saudavelmente dezenas de milhares numa melancolia muito própria. Se é relativamente natural que malhas como “Mr. November” ou “Day I Die” sejam bem acolhidas por multidões, não é qualquer banda que, quase só com piano e voz, consegue brilhar em ambiente festivaleiro. Foi um excelente concerto, provavelmente dos melhores cinco da banda em Portugal. Até já, amigos.

Ainda antes dos Queens of The Stone Age (QOTSA) começarem o seu concerto, um dos mais esperados da noite e do NOS Alive 2018, fomos espreitar Francisca Cortesão e os seus Minta & The Brook Trout, e para grande e boa surpresa, um dos guitarristas em palco era nem mais nem menos do que Bruno Pernadas. Bom concerto, intimista quanto baste, a contrastar com a “tareia” que vinha logo a seguir.
Já se sabe que os QOTSA mudaram no último disco. Villains, com Mark Ronson na produção, tenta fazer de Josh Homme e comparsas uma máquina de rock mais dançante que intempestiva, é certo, mas ao vivo há um equilíbrio saudável entre as novidades e as pedradas do passado. Os momentos altos, é fácil de reconhecer, estão lá atrás: “No One Knows”, “Little Sister”, “Burn the Witch”, “Go With the Flow”, e mais, são momentos de ouro, duros, de exaltação coletiva. Mas há um certo charme nos momentos mais – arrisquemos – pop das composições recentes. Num espetáculo cénico eficaz q.b., o rock duro dos norte-americanos foi bem acolhido: Josh Homme portou-se bem, a química esteve lá, nada a apontar aparte a falha de alguns clássicos – faltou a cereja no topo do bolo, o desejado fim com “Feel Good Hit of the Summer”. Talvez para a próxima.

Vai um desviozinho ao palco Coreto? Surma é um projeto interessantíssimo. Parece, em palco, uma menina perdida num qualquer sonho de Alice num país de maravilhas sonoras. É tudo etéreo, é tudo onírico. Débora Umbelino não para um segundo. Dá ideia que segue os sons que produz nos instantes em que acontecem, que viaja neles sem nunca aterrar. Enovela-se, enrola-se e distende-se. Parece viver no seu próprio mundo. No entanto, permite-nos que espreitemos por um qualquer buraco da sua fechadura de sons sem fim. É caso único. Acreditem: em Portugal ninguém faz música assim. É um pequeno tesouro. Cuidemos bem dele.
Admitimos que abandonámos os Two Door Cinema Club à sua sorte no palco NOS para fechar o dia com os Future Islands no palco Sagres, a caminho da saída. Quem já viu, sabe como é: pop eletrónica de fino recorte e um vocalista de voz difícil, certo, mas movimentos dançantes aos quais é impossível ficar muitos segundos com o olhar afastado. Quem gosta, gostou. Quem não gosta ou não conhecia, terá achado curioso mas dificilmente se tornará fã absoluto – não era o contexto para tal e as pernas já denotavam algum cansaço.
Falta um dia.
Texto: Carlos Vila Maior Lopes e Pedro Primo Figueiredo || Fotografia: Inês Silva e fotos oficiais NOS ALIVE devidamente creditadas