O filme do primeiro dia do NOS Alive fez-se com o enredo que a seguir se conta. Muitos concertos, muitas bandas, mas o dia, no seu todo, acabou por ser um pouco morno.
Custa sempre arrancar. Os dedos estão perros, as mãos com mais vontade de agarrar copos frescos de cerveja do que aptos a teclar o que se vê e ouve. Mas começou a festa, e quem primeiro mereceu registo foi a banda de Toledo, cidade vizinha da capital do país hermano. Chamam-se Veintiuno e fazem um pop rock que dificilmente se cola a orelhas lusas. Não se percebe, aliás, com magotes de espanhóis à solta em Algés (no recinto do NOS Alive, claro) se opte por trazer uma banda que em Espanha não têm grande importância. Para quando a aposta em nomes de muito maior interesse do pop-rock e do Indie espanhol? No ano anterior, os Vetusta Morla estiveram por cá e agradaram, naturalmente. Quanto a estes Veintiuno, não haverá muito a dizer. São esforçados e deram o que tinham perante umas duas centenas de pessoas que ainda estavam a assentar arraiais na relva sintética do palco Heineken. Valeram as cervejas referida no início destas linhas, e pouco mais.
Ao lado, no palco vizinho, Rita & O Revólver disparava R&B para todos os lados e a pólvora era tudo menos seca. Pela multiplicidade de “coisas” a acontecer, assistimos aos últimos 20 minutos do concerto, mas o que ouvimos pareceu-nos digno do registo destas breves linhas. Reparem que no baixo destes O Revólver está José Moz Carrapa, produtor de nomes como Rui Veloso e António Variações e um dos míticos baixistas deste país. E ela, a bonita Rita, atriz e cantora, tem soul para um Festival inteiro. Gostámos, embora nos tivesse sabido a pouco.
Ainda lusos, mas cantando em língua de brexit, os You Can’t Win Charlie Brown começaram a sua atuação com a bonita e fresca “Above the Wall”, e prosseguiram em bom ritmo. Bem oleados, como sempre, a banda foi mostrando temas do recente Marrow, com destaque para a canção já referida e para “Pro Procrastinator”, ambas fortes malhas para este verão. Os YCWCB estão bem diferentes, musicalmente muito distantes daquilo que foram e gravaram no EP de estreia, em 2009, na extinta Optimus Discos. O registo mais folk transformou-se em eletricidade mais inquieta e mais dançável. Preferimos assim. A maioria do público presente concordará connosco certamente.

Já a tarde ia bem avançada, fomos espreitar Rhye e os seus sons tranquilos, embora com alguns momentos de curiosa inquietação. O canadiano Mike Milosh mostrou-se tímido, mas essa característica é feitio e nada mais, estamos certos disso, uma vez que esse facto não atrapalhou a sua prestação, e a segurança que mostrou em palco, tanto ele como a banda que o acompanhou, é prova de um percurso que já conta com muitos quilómetros de rodagem em palco. Mas, sinceramente, faltou algum groove na atuação, na nossa opinião. Há um misto de mistério e sensualidade na linguagem de Rhye e talvez por isso tenha sido tantas vezes, quase sempre, incensado pela crítica. Em Portugal, no primeiro dia do NOS Alive, cumpriu a missão e satisfez o pequeno mar de gente que tinha à sua frente, no recinto do Palco Heineken. O concerto, no entanto, resultaria melhor num espaço fechado e com melhores condições acústicas. Nada mais a dizer. Há que esperar pelo sucessor de Woman para vermos em que direção musical seguirá Mike Milosh.
Ao chegar ao palco NOS, ouvimos os Alt-J tocar “Something Good” com o público ao rubro. Depois do aplauso caloroso, “Tesselate” com o cair lento do sol e o festival a encher cada vez mais. Os Alt-J aproveitaram, depois, para trazer algumas canções novas, mais fracas e esquecíveis que as de trabalhos anteriores. Num concerto que pedia a contenção da noite e do palco Heineken, os ingleses pisaram, de dia, um palco demasiado grande para o seu som, aquecendo em banho-maria o público que começava a preencher todos os pedaços de chão do Passeio Marítimo de Algés, uns em pé, outros sentados, outros deitados.
A pop descomprometida dos Phoenix soou bem alto no Alive. Há já algum tempo que não tínhamos uma banda francesa com um impacto tão mediático no âmbito do mainstream mundial. São enérgicos, têm canções orelhudas, boas para quando a noite começa a insinuar-se mais no horizonte do que na cabeça. Ainda havia muito para ver e ouvir. A correria, entretanto, não abrandava, e era preciso estar atento ao que ia acontecendo. Mas voltemos um pouco mais a Phoenix. Percebe-se o hype da banda, mas a substância parece-nos pouca para tamanho alarido. Talvez o problema esteja em nós, embora duvidemos disso. De qualquer maneira, decorria, ao mesmo tempo, no Palco Heineken, o concerto dos Blossoms, banda revelação da terra de sua majestade no ano de 2016. Interessantes, sim senhor, com uma pulsação bem acelerada, bem roqueira e dinâmica. Tom Ogden não facilitou. É carismático e não resistiu, no fim do concerto, a exibir-se com a bandeira do país mais na moda da Europa, o nosso. Mas antes, de guitarra em punho, foi mostrando a razão do burburinho que se tem feito à sua volta, especialmente por causa do seu álbum de estreia. Tudo ok, afinal não chovia como se adivinhava, e a noite começava mesmo a cair.

Tal como há sete anos no palco secundário, The xx começaram o seu concerto com a bela “Intro”, do disco de estreia. Fazendo o salto para o palco principal, mostraram ao público português que continuam incríveis como dantes, cada vez mais crescidos e maduros. Um sincero sorriso de Oliver Sim antecedia “Crystalised”, canção presa anos e anos nas gargantas lusitanas que compuseram um coro exímio. “Say Something Loving” soube bem, com aplausos tão efusivos quanto nas músicas mais antigas: a aprovação do mais recente disco, I See You, estava dada. As cavalitas eram montadas e a banda apresentava-se mais pop/rock que quando a vimos no seu próprio festival, no Jardim da Torre de Belém, em 2013. Aí, dominavam as electrónicas de Jamie xx, num concerto que era quase uma remistura constante. Neste Alive, deram mais espaço ao som inicial da banda, com umas pitadas de discoteca aqui e ali – nomeadamente, em “Islands” e “Chained”. Uma bela e espirituosa “Dangerous” chegava-nos antes do momento a solo de Romy Madley Croft para “Performance”. A contenção da guitarra era um mundo em “Infinity”, com tiros ritmados ao palco Clubbing a serem disparados em fortes e quentes interpretações de “Fiction” e “Shelter” – e até a melodia de “Better Off Alone”, de Alice Deejay, transformada num riff lento e meloso durante “Chained”. Uma perninha inesperada e incrível em “Loud Places”, do disco a solo de Jamie xx, depois da qual Romy e Oliver deixaram o palco, dando foco a Jamie para um pequeno DJ set, transformando-se o palco NOS no Clubbing mais uma vez. A festa acabaria por desaguar nas baladas “On Hold” e “Angels”, dedicada à noiva de Romy, e os três músicos ingleses curvar-se-iam em vénias emocionadas. E nós retribuímos.
Fast forward para The Weeknd. O rapaz estrela entrou a abrir com a sua canção-bandeira (“Starboy”) mas acabou por oferecer ao Passeio Marítimo de Algés um concerto que não passou do morno, compensando o desinteresse da música com volume nas colunas. As mãos no ar perdiam-se de vista enquanto o artista canadiano interpretava os principais temas dos seus três discos e nós seguíamos para o outro lado do festival.
Se ao final da tarde não havia muito por onde escolher, ao começo da madrugada a escolha entre palcos era difícil. The Weeknd a cantar “Can’t Feel My Face” enquanto Batida começava a tocar os ritmos quentes do semba e do kuduro no palco Clubbing e as electrónicas estratosféricas de Bonobo já se ouviam também no palco Heineken. A chegada a Bonobo surpreendia com o vislumbre de seis músicos em palco, de sopros metálicos e teclados a bateria e baixo, que logo de seguida acabariam por deixar Simon Green sozinho. O pedaço de concerto que vimos desiludiu: uma electrónica sem a personalidade e texturas a que nos habituou Green. Seguimos, então, para Batida.

Seguramente um dos projectos mais interessantes do NOS Alive e do país, a música de intervenção/performance de Pedro Coquenão e companhia não é novidade por estas bandas. Já muitas palavras aqui se escreveram, em diversos festivais e acontecimentos, e o que nos fica é sempre igual, sempre inesquecível. Ritmos angolanos tântricos levavam-nos para fora do recinto até à África central. Em palco, evocavam-se grandes ícones da cultura angolana como o músico Carlos Lamartine, a realizadora Sarah Maldoror – e o seu filme Sambizanga – ou o rapper e activista Luaty Beirão. A sempre marcante componente activista manifestava-se ainda em apelos à criminalização do racismo, à igualdade e liberdade de género e à mudança da lei 37/81 (Lei da Nacionalidade): “Nacionalidade para quem aqui nasce e aqui se sinta / A opinião pública fica muda, muda nada se ficar parada”, repetia, enquanto a palavra “NEOCOLONIALISMO” era projectada no ecrã. Estrangeiros curiosos iam perguntando aos vizinhos por tradução, para perceberem melhor a mensagem que Coquenão tentava passar. Baterista, baixista, dançarino, um sampler e uma menina dos sete instrumentos faziam a festa. “Alegria” e “Pobre Rico”, como sempre, foram o delírio. Em “Lá Vai Maria” fazia-se o louvor a todas as mulheres, em “Yumbala” distribuíram-se apitos para o público participar na efervescente dança sonora. Por fim, o encore bem pedido e merecido, com o público a encher graças ao final de The Weeknd. E durou pouco, por nós ficávamos na Batida até o Sol nascer. Mas demos por concluído o primeiro dia do NOS Alive 2017.
Texto: Carlos Vila Maior Lopes e Francisco Marujo || Fotografia: Francisco Pereira e Luís Flôres