(Subtítulo – “O melhor concerto da minha vida”)
É costume compararmos o estado do tempo com as coisas que sentimos. Chuva é tristeza, Sol, felicidade. No dia 21 esteve nublado, chuvoso, fresco. Os tons de cinzento, branco e preto que iam ilustrando o passar das horas ditavam a melancolia que se sentia no ar. Estava portanto um dia perfeito para ouvirmos The National.
“Dont Swallow the Cap” abriu e não fez cerimónias ao ressoar pelo recinto. Os corações começaram a apertar. Depressa passamos para “I Should Live In Salt” e o mesmo estado de espírito mantém-se: num misto de entusiasmo e calor interior sentia-se que aquele momento iria ser bom demais para se apreciar parado.
Depois de saltitarmos por entre High Violet (“Bloodbuzz Ohio”), Aligator (“Secret Meeting”) e, claro, Trouble Will Find Me (“Deamons”, “Sea of Love”), chegou o primeiro momento avassalador da noite: por uns momentos, pareceu que as gotas da chuva que caia lá fora pingavam agora no teclado do piano que pintou a sala de azul claro. “Hard To Find”, como um verdadeiro bálsamo para a alma, ouvia-se agora. O tempo parou pela primeira vez nessa noite.
Como um safanão, “Afraid of Everyone” chegou de rompante, levantando com ele o véu cinzento, branco e preto que tinha caído sobre o público. Um véu melancólico. “Squalor Victoria” mostrou que Matt ainda tem muito screaming dentro dele, até que, de repente, num total rodopiar de registos, sentimos o coração a engelhar e encolher ainda mais. “I Need my Girl” chegava agora. Estava-se agora num mar de areia movediça emocional: para qualquer lado para onde nos virássemos estava um buraco a puxar-nos para o sítio onde tudo é triste e bonito, tristemente lindo, tristemente feliz. “This is the Last Time” veio reforçar ainda mais o ambiente que sufocava de emoção, de felicidade em bruto.
Houve tempo para uma estreia com “Lean” (merecedora de nova audição), passeou-se pelos gritos de “Abel”, pela calma de “Slow Show” (muito bom) e até para “Apartment Story” houve estofo, mas a partir deste ponto dava-se a guinada violenta para o sublime.
Por entre a escuridão quase total do pavilhão, os focos claros do palco marcavam o início de “Pink Rabbits”. Para uma música muito boa no disco, a interpretação ao vivo foi divina. No mar azul clarinho que banhava o público via-se o bem que The National faz. Pessoas, todas diferentes, todas com as suas historias, as suas relações, juntas, um perfeito momento de união em que todos sabiam de que material era feito aquilo que ali se cantava. Todas sabiam que era genuíno, puro. “England” foi o seguinte cartucho a explodir dentro de todos nós. Via-se pessoas a chorar de sorriso na cara, olhos fechados, abraços, beijos. Via-se amor para onde quer que se olhasse. Eu começava a sentir que ia recordar esta noite para sempre.
“Graceless” chegou, fez-nos uma festinha na cabeça e outro momento mágico seguiu-se. “About Today” estava agora entre nós. O dedilhar da guitarra só por si já arrepiava os pêlos da nuca; o violino, em crescendo, arranhava a pele das costas, a bateria trocava-nos a pulsação, e Matt… Matt deu a estocada final assim que abriu a boca. Lindo. Só mesmo “Fake Empire”, que se seguiu, conseguiu ser assim tão bom.
Íamos já nas vinte musicas mas ninguém perdia genica, as centenas e centenas de pessoas que povoavam com afinco a plateia continuavam, tal e qual crianças pequenas a ver televisão, vidradas no palco. Merecemos agradecimento especial e tudo por “Never giving up on us”, como disse Berninger. Acho que um encore em cheio era mais que merecido. E não desiludiu.
Pouco depois de terem abandonado o palco, o ensemble chega de novo. “Sorrow” faz recomeçar o espetáculo; “Mr. November” explode como uma bomba entre todos nós que já estávamos de barriga cheia de tanta coisa maravilhosa; “Terrible Love” seguiu-se e empurrou Matt para o meio da multidão que sofregamente o procurou, mas começávamos a temer o fim que veio logo a seguir.
Depois de tanta energia, de repente, tudo se apagou, sobraram uns holofotes de luz branca que criavam auras em torno de Aaron, Bryce, Bryan, Scott e Matt. Num glorioso unplugged, “Vanderlyle Crybaby Geeks” seria a última música da noite. Todos nós éramos agora um. Um coração a derreter-se, uma voz que cantava em uníssono, um som que limpava tudo o que nos sujava, tudo o que nos pesava. As vozes ressoavam por todo o lado num estrondo gentil. Toda a emoção do espectáculo que acabávamos de ver culminou nessa música, nesse momento. De olhos fechados, a cantar em plenos pulmões, deixamos o concerto acabar.
Esta é a história do “meu” concerto, daquilo que vi, do que toquei, do que senti. E se senti. Esta é a história do concerto que partilhei com aqueles de quem gosto, direta ou indiretamente. Esta é a história do melhor concerto da minha vida. Esta é a história do concerto dos The National de dia vinte e um de Novembro de dois mil e treze em Lisboa.
O concerto foi dia 21…