Mordechai é o terceiro registo da banda de Houston. Segue o mesmo modelo dos álbuns anteriores, ao ser composto por 10 canções – sem mais, nem menos – e cumpre o mesmo propósito também: massaja-nos os sentidos, mata a nossa sede e transporta-nos para dimensões etéreas.
Já alguma vez se deixaram levar pelas correntes do Youtube? Não espero outra resposta que não seja «sim!», «claro!», ou «por quem me tomas?». Não é necessário carregar muitas vezes no botão esquerdo do rato para alcançarmos álbuns de música do Mundo perdidos pelos confins da internet: sem dificuldade, chegamos a artistas jazz turcos ou a roqueiros da Malásia psicadélica, e começamos a vibrar.
A música dos Khruangbin corresponde, desde o início da carreira da banda, a essa sensação de perdição por sons que, apesar de nunca termos imaginado que existissem, ecoaram, desde sempre, em nós, deslizando pelo nosso corpo adentro, fazendo com que por debaixo da nossa pele, corram rios de todas as cores, provenientes de todos os pontos do mundo – da América do Sul, de África ou da Ásia.
Mordechai é o terceiro registo da banda de Houston. Segue o mesmo modelo dos álbuns anteriores, ao ser composto por 10 canções – sem mais, nem menos – e cumpre o mesmo propósito também: massaja-nos os sentidos, mata a nossa sede e transporta-nos para dimensões etéreas.
No entanto, e já depois de o ter escutado diversas vezes (umas vezes por vontade própria, outras vezes porque fiquei agarrado a ele – Khruangbin pode ser viciante), digo que é o álbum menos convincente da banda norte-americana.
Con Todo El Mundo, lançado em 2018, foi um verdadeiro sucesso. Todas as histórias de amor são um sucesso, sobretudo aquelas que colocam frente-a-frente um avô e uma neta (a vocalista, Laura Lee). Nesse LP, a banda conciliou, num limbo perfeito, os momentos vocais com os puramente instrumentais. Em Mordechai, dois anos depois, fica claro que o trio pretendeu explorar a voz, não só de Lee, como também dos restantes membros (todos cantam), naquilo que foi, obviamente, uma liberalidade da banda (uma tentativa), de modo a atingirem uma diferença ao nível da musicalidade.
É engraçado o facto de Mordechai começar com suspiros de Roy Ayres. “First Class”, tal como as canções mais slow de Khruangbin, é um copo de água fresca numa tarde quente de verão: provoca em nós um efeito maravilhoso, de pura frescura.
Segue-se a “Time (You and I)”. Esta faixa ocupa a posição que “Evan Finds The Third Room” cumpre em Com Todo El Mundo, e é, por isso, o momento mais groovy do projeto. Por volta do minuto 2, a faixa ganha proporções elétricas e, um minuto depois, parece que entramos numa tape perdida e colorida dos The Stones Roses – a sério.
Em “Connaissais de Face” há um diálogo. Um Homem e uma Mulher falam sobre uma canção, reencontram memórias distantes, perguntam-se por Josephine e outros, e recordam mergulhos e arrependimentos. É uma passagem diferente. É uma fotografia que o tempo amarelado derrotou. É uma conversa reservada para um tempo futuro que se mascara de passado.

Em “Father Bird, Mother Bird”, os Khruangbin têm o seu momento psicadélico mais intenso. É também nesta faixa que ficamos com a ideia de que «já ouvimos esta música em algum lado», e é por isso que Mordechai , em algumas cenas, leva-nos a considerar que a musicalidade da banda está um bocadinho insonsa. “Father Bird, Mother Bird” é uma ótima passagem musical, mas fica a sensação de que poderia figurar em qualquer outro registo da banda.
O melhor momento do LP ocorre quando “Pelota” invade os nossos ouvidos. Esta faixa, que é totalmente cantada em espanhol, é uma autêntica reunião de ventos quentes sul-americanos e, durante 2 minutos e 48 segundos (é a faixa mais curta do trabalho), provamos os frutos da melhor colheita de Khruangbin.
O início da “Dearest Alfred” invoca soundtracks feitas por Umiliani, Cipriani ou Piccioni: os suspiros das notas de guitarras perdidas em ruas de melancolia seguem as palavras cantadas de Laura, que aqui recorda cartas de outros tempos, verdadeiros presentes, enviadas por pessoas agora invisíveis e distantes.
“So We Won’t Forget” corresponde a cinco minutos de pura beleza, e teria sido a música ideal para fechar Mordechai, mas a banda de Houston preferiu confiar esse trabalho a “Shida” (uma composição sem história, igual a tantas outras). Vale a pena referir o videoclip de “So We Won’t Forget”, que é um daqueles que vale mesmo a pena ser visto, pois retrata, em contornos reais, as cenas que imaginamos na nossa cabeça enquanto escutamos a canção.
As produções de Khruangbin são únicas no panorama musical atual, diria. Numa altura em que todos descobrem todas as músicas (… as mesmas músicas…) através das mesmas plataformas, é raro descobrir projetos musicais verdadeiramente distintos. Mas a música de Laura Lee, Mark Speer e Donald Johnson é distinta. Não há, nesta esfera doida do streaming e na liga das bandas do século XXI, igual a Khruangbin. Eu, pelo menos, nunca dei de caras com um projeto semelhante ao deste trio: apenas quando me perco no Youtube, ou em velhos blogues na internet, é que colho frutos do género de Khruangbin.
Mordechai, apesar de não ter representado uma clara inovação no percurso do grupo, é um projeto vencedor, acima de tudo, porque prova, mais uma vez, a fidelidade da banda à sua área musical. Este é um belo álbum – um álbum amarelado pela passagem do tempo, um álbum de verão, um álbum de memórias, um álbum de amor, um álbum de vidas.
Aproveitemos as manhãs, as tardes e as noites de verão para escutá-lo.