Ao quinto e excelente disco, o conforto destas canções ternas acústicas é o companheiro ideal para o outono que teima em não chegar.
Os Minta & The Brook Trout, projecto liderado por Francisca Cortesão, são um dos valores mais seguros e previsíveis da música portuguesa contemporânea. Vamos já ao adjectivo “previsível”, que na nossa opinião tem uma reputação negativa nem sempre merecida. É que Stretch, o novo e quinto disco do grupo, traz-nos zero surpresas. O que é extremamente reconfortante, diga-se.
O som do grupo está há muito cristalizado. Canções com C grande, sobretudo acústicas, lentas, serenas e bonitas. Nada aqui, ou em qualquer dos outros álbuns de Minta, é espalhafatoso, barulhento ou desnecessário, quase como se os músicos pedissem desculpa por interromper o nosso silêncio com as suas histórias que, de tão bem escritas, podiam bem ser as nossas (e muitas vezes passam a ser). Previsível, sim, como o nosso chá costumeiro, como um bom e velho amigo cuja presença nos traz sempre prazer e conforto, e não sobressalto ou ansiedade. Para isso já basta a vida, o Trump e os Venturas.
O som dos Minta & The Brook Trout já foi descrito – até por nós, em textos anteriores – como outonal, e isso mantém-se. Bem queremos ser originais, mas a coerência da banda não o permite. Quando dizemos outonal dizemos uma vida de refúgio confortável, uma cabana como uma boa manta e uma discreta lareira, bebidas fumegantes e amigos que gostam de ler e não interrompem as nossas próprias leituras com vídeos de tiktok aos altos berros. Abençoados sejam!
Em Stretch estão lá todas essas marcas. Mesmo a capa, uma belíssima paisagem marítima do ilustrador José Feitor, procura o Verão mas com umas cores nocturnas que mostram um Setembro/Outubro, mais do que um Julho/Agosto. Da mesma forma, quando Francisca canta sobre “Cantaloupe”, o nosso bem conhecido melão, procurando a languidez de um dia de Verão, há um arrepio fora de estação que nos traz de volta ao Outono. E aqui temos de destacar o papel discreto mas decisivo das teclas de Margarida Campelo, que elevam o excelente conjunto de canções a outro nível, trazendo um calor e uma criatividade que nos agradou sobremaneira neste último disco.

Crédito: Bandacamp Minta & The Brook Trout
Como em todos os discos de Minta, esta é uma rodela para consumir por inteiro. É dessa forma que melhor funciona um certo efeito hipnótico e calmante que sempre os acompanha. Mas não resistimos a destacar todas as canções, todas discretas obras de relojoaria cançoneteira, com arranjos bonitos e inteligentes a esconderem-se por baixo da simplicidade da superfície.
Temos a bonita balada de abertura de “Economy Class” (aquelas teclas que exudam bom gosto!); o hipnotismo quase oriental da já mencionada “Cantaloupe”; a belíssima “Hope and Fiction”, com a sua bem comportada guitarra eléctrica; o quase manifesto de “Please make room for me please”, com uma letra que é um tratado de ternura e timidez, contando com a participação da cantora Shelley Short, de Portland, que bem podia ser uma espécie de lar espiritual destas canções; “Your closeted dreams”, com o seu lindo e assombrado assobio; “Random Information”, uma música mais cheia que o habitual que, aqui e ali, nos traz à memória algumas coisas mais antigas dos excelentes Stereolab; ou a mais maquinal mas ainda assim tão humana “Bagno Elena”, que fecha esta meia hora de delícia.
E, claro, não falámos de “Born to be mild”, com a participação da fantástica Tamara Lindemann, a canadiana que actua sob o nome de The Weather Station e que tão boa música nos tem dado nos últimos anos. Só o título da canção devia ser colocada em tshirts oficiais de Minta & The Brook Trout, de tal forma afirma orgulhosamente uma forma terna de estar na vida. Um possível postal de uma relação a dois, as dúvidas, as incertezas, o caminho. Uma pérola!
Com mais um excelente disco – facilmente candidato forte a um lugar no top dos álbuns nacionais deste ano – os Minta & The Brook Trout descansam-nos e dizem-nos que ainda estão aqui, connosco, e que sim, a vida tem altos e baixos, mas que podemos ser tremendamente humanos, tímidos e vulneráveis, e ainda assim andar, continuar a andar.
Stretch está disponível em cd e vinil, numa edição muito bonita que vem com mais uma ilustração de Feitor e, com sorte, com uma dedicatória simpática da banda.