Dezassete anos depois, Chao volta com um disco plácido e muito bonito, que é um bálsamo para o nosso estado de espírito.
Manu Chao é um caso raro na cena musical internacional. Depois de uma carreira alternativa com os fantásticos e apunkalhados Mano Negra, a sua carreira a solo trouxe enchentes nos concertos, discos de grande sucesso e uma legião de fãs que é necessariamente multicontinental, como a sua música. Mas, depois de La Radiolina, de 2007, nunca mais tivemos um disco de originais para matar a nossa fome.
Fomos tendo registos ao vivo, algumas colaborações e pouco mais. Mesmo em concerto é muito difícil dar com ele nos lugares óbvios, como os festivais de Verão, até porque o hispano-francês prefere tocar em pequenos eventos, às vezes quase de borla, desde que se identifique com as causas associadas.
Esse silêncio discográfico acaba agora, em 2024, com este Viva Tu. E como estávamos necessitados da sua voz e da sua energia!
Por comparação com os registos anteriores, podemos dizer que temos um Chao mais plácido, mais calmo, menos agressivo mas não menos empenhado. As letras continuam a falar das suas causas, da igualdade, dos direitos humanos, da fraternidade entre todas as pessoas. E, claro, assim que o disco arranca sabemos logo que estamos em território familiar: está cá o estilo inconfundível do seu canto, a guitarra clássica na base dos temas, os efeitos sonoros que sempre pontuaram os seus álbuns, a babel de línguas todas misturadas (o inglês, o francês, o castelhano e o português quebrado que já lhe conhecíamos).
Em 13 músicas e menos de 40 minutos, Manu Chao, agora com 63 anos, canta-nos o mosaico da sua vida: os lugares onde viveu e vai vivendo, as pessoas que conheceu, as experiências que teve, os ensinamentos que quer espalhar. E isso são coisas que nunca mudaram, desde os tempos em que os Mano Negra arranjaram forma de fazer uma digressão pela América Latina, de comboio, em busca de uma verdade e de uma resposta que nunca se encontra.
Viva Tu é um disco muito fácil, porque vive de um sentido melódico – naquele registo naif que lhe cai tão bem – que nos conquista de imediato. É pop? É rock? É reggae “ranchero”, é flamenco? É tudo isso, sendo sempre Manu Chao.
Como sempre, a sequência dos temas está muito bem conseguida, parecendo sempre que um encaixa na perfeição no que vem a seguir. Ainda assim, não resistimos a destacar o arranque calmo e bonito de “Vecinos en el mar”; a placidez triste e contemplativa de “La couleur du temps”; a declaração de amor pelas pessoas comuns, ao estilo de guitarra cigana, da faixa-título “Viva Tu”; a lindíssima balada de “Tu te vas”, com a bonita voz da cantora Laeti a complementar na perfeição; ou a divertida “Tom et Lola”, a lembrar os tempos mais vaudeville dos Mano Negra.
É claro que este é um disco muito menos marcante e revolucionário do que a sua estreia a solo, com o seminal Clandestino, que nos deu a conhecer pela primeira vez este mundo sonoro tão particular. Mas não temos talvez o direito de lhe exigir tanto. Apenas sabermos a sorte que temos de que, nestes tempos em que o Santo Algoritmo e as grandes corporações tomam conta de tudo, haja pelo menos um tipo assim no mundo. Alguém que não se vendeu, que não cedeu, que vive pelo mundo ao sabor do vento, guitarra a tiracolo, pregando a justiça e a diversão em doses iguais. E que nos dê discos como este, que nos embala a alma.