Em preparação para a celebração em Lisboa dos seus dez anos de carreira, Leo Middea falou com o Altamont sobre o céu de Lisboa, os seus heróis da MPB e como tem conseguido aproveitar cada momento da construção do seu percurso.
Leo Middea escreve sobre Lisboa enquanto ouve música popular brasileira (MPB), põe plateias por essa Europa fora a cantar em português, e foi o primeiro artista brasileiro a participar (com uma brilhante prestação) no festival da canção. Sem se preocupar muito com rótulos e definições limitativas, Leo faz música para o mundo porque é no mundo que ele vive, misturando géneros, paisagens e influências de quem vai encontrando pelo caminho. O resultado é irresistível: canções doces e descomplicadas que conseguem ser ao mesmo tempo um excelente compêndio de “quem é quem” da MPB, um belo roteiro de Lisboa e arredores, e um retrato demonstrativo do estado de constante maravilha em que vive o seu autor. No ano em que a sua música chegou a mais pessoas, o cantautor brasileiro celebra em Portugal, o seu país do coração, os dez anos de uma carreira construída “devagarzinho” mas sem hesitações, com dois concertos, em Lisboa e no Porto, onde passará em revista os seus cinco álbuns. Em antevisão da festa em Lisboa, Leo Middea conversou com o Altamont sobre as fundações que já estão lançadas e sobre o que é que se imagina a construir daqui para a frente.
“Have you ever seen in the sky of Lisbon, LisbonToday, my love?”
Altamont (A): A primeira coisa em que reparei quando comecei a ouvir a tua música foi nas referências aos grandes nomes da música brasileira que fazes com bastante frequência. A inclusão destes nomes na tua música vem de um sentimento de fã entusiasmado que quer mostrar aos amigos as coisas de que gosta ou é uma homenagem que sentes que precisas de fazer por te “sentares nos ombros de gigantes”?
Leo Middea (L): Eu acho que é uma espécie de homenagem, mas tem um balanço entre os dois. Porque quando eu menciono eles nas músicas, tem algum motivo específico. Por exemplo na “Lisbon Lisbon”, em que eu menciono “Caetano, Gal, Novos Baianos, e Jorge Ben Jor”, é porque eu queria fazer uma fotografia do que eu estava vivendo naquele momento, em que eu olhei o céu de Lisboa do meu quarto na pandemia. O céu estava bonito, a gente não podia sair, tudo fechado, e na minha playlist estava tocando em loop estes artistas principalmente. E eu falei “cara, vou começar a escrever uma coisa meio que nessa vibe que eu estou vendo”. Então começo falando do céu de Lisboa, e depois dos artistas que eu estou escutando no momento.
A: Portanto é um retrato do momento que estás a viver?
L: É um retrato, mas acho que acaba sendo também uma forma de homenagem. Mas sempre tem alguma coisa que retrata as coisas que eu vivo naquele momento.
A: Eu acho que, para alguém que não tenha esse background da MPB, ao ouvir-te, vai procurar quem são os Novos Baianos, por exemplo, portanto também prestas um serviço muito importante de divulgação. Chamam-te um dos herdeiros da MPB, não sei se te sentes intimidado quando dizem isso?
L: É bem difícil pensar sobre isso, ‘né… eu só faço música.
“E se quiser me encontrar, procure um pôr-do-sol”
A: Pois claro. Continuando a falar de Lisboa, algumas das tuas canções de que gosto mais são aquelas em que referencias lugares que conheço, como Arroios, a Graça, ou o pôr-do-sol em Carcavelos. Consegues dizer de que forma é que a tua mudança para Portugal influenciou a maneira como fazes música?
L: Acho que tudo acaba influenciando, porque é inevitável, quando vai compor alguma coisa, não ser algo que a gente está vivendo de alguma forma. Então Portugal me influenciou muito nessas coisas do bairro, das praias, e era impossível compor sem falar de Carcavelos, da Caparica, ou da Ericeira. Acabou me influenciando também pelas conexões que eu vou fazendo aqui. Por exemplo, antes de escutar o Janeiro, que foi o primeiro músico que eu conheci quando cheguei a Portugal e se tornou um grande amigo, ele tinha muito essa ideia de mesclar elementos um pouco mais eletrónicos nas músicas, e isso me incentivou também a explorar esse caminho. Por isso essas conexões e o que a gente vai vivendo influencia um pouquinho, seja musicalmente seja como ponto de referência da própria cidade, do próprio país.
A: Também há muitas músicas tuas com colaborações. Rodeias-te das pessoas que tens à mão no momento? Isso também é importante para ti?
L: Sim, é super importante. E os convites acabam vindo quando as produções já estão quase finalizadas. Eu consigo escutar e pensar “esta música aqui combina com a tal pessoa”. Com a Mallu Magalhães foi assim, por exemplo. A produção (de “Borboleta Efeito”, do álbum Gente, de 2023) ficou pronta e pensei “tem uma vibe meio Mallu, tem alguma coisa ali”. Aí eu enviei um WhatsApp para ela e rolou, foi super-rápido.
“Eu sigo o mundo e danço
Nesse balanço da música popular brasileira”
A: Desde o lançamento do Gente, em junho de 2023 que parece que não paraste, desde tours pela europa, dez concertos em dez dias e a participação no festival da canção. Parece que nunca tanta gente ouviu a tua música em tantos locais diferentes. Achas que o progresso na tua carreira tem sido linear ou sentes-te numa espécie de fase exponencial neste momento?
L: Eu acho que sempre teve uma fase exponencial, desde o primeiro disco. Nunca foi para baixo, mas são 10 anos e cinco discos, então foi tudo muito devagarzinho. O meu primeiro disco teve muito poucas visualizações e o meu segundo teve um pouquinho mais. Então, do segundo para o primeiro, eu já senti um crescimento na carreira, e fiquei “oh, que legal, um crescimento”, ainda que baixo. E quando rolou o meu terceiro disco, o crescimento foi ainda maior que do segundo e meu quarto foi maior que o meu terceiro e agora o Gente foi maior que o quarto e chegou num lugar da “escada” que proporcionou dar saltos um pouco maiores. Pude tocar em alguns lugares onde eu nunca tinha tocado, visitar países, cidades que eu nunca tinha ido, e eu fico muito feliz de ver isso acontecendo. Também me dá uma certa ansiedade para saber se o próximo disco vai ser um passinho a mais do que o anterior. Será que vai ser pior, agora que eu cheguei nesse lugar que é legal? Tem sempre essa dúvida. Eu acho legal esse processo de escadinha, um momento após o outro, e crescendo devagar. Assim consigo aproveitar cada momento, consigo sentir a minha carreira evoluindo e sentir as diversas fases. A minha vontade agora é continuar para que seja ainda mais exponencial.
A: E tens conseguido aproveitar?
L: Agora estou trabalhando de mais ‘né? (Risos) Sempre para lá e para cá, quase não consigo pensar em nada. Mas vou para o Brasil em dezembro, tirar umas férias, relaxar, e lá também vou conseguir começar a produzir com mais calma o próximo disco. Já tenho as músicas e agora é começar a criar as maquetes, os rascunhos, devagarzinho.
A: Tenho imensa curiosidade sobre a receção do público quando vais tocar ao estrangeiro. Sei por experiência própria que sabes dar uma bela festa, mas é suficiente para quebrar a barreira da língua?
L: Para cada país eu tenho um setlist um pouquinho diferente porque eu vou me adaptando àquela cultura. Pela minha sorte, a maioria do meu público, quando eu vou para os lugares, são público local. Se eu for para Madrid e perguntar quantas pessoas falam português, vão levantar a mão provavelmente quatro ou cinco pessoas, é sempre um público muito daquela região, seja mais francês, mais espanhol, ou mais inglês, e eu acho isso muito legal – a minha música vai sendo um pouco mais global nesse sentido, o que eu acho super interessante. Assim, acabo moldando o setlist para entregar o melhor show possível. Por exemplo, em França consigo me arriscar a cantar uma música em francês, como fiz, mas, se eu estiver, por exemplo, na Alemanha, eu não vou cantar nenhuma música em alemão, que é impossível para mim, então eu vou apostar em alguma música que eles consigam entender, inglês ou outra. E do meu repertório, vou apostar num lugar onde as pessoas consigam aproveitar a minha música de outra forma, alguma que seja mais fácil eles cantarem, ou uma em que eu possa ensinar alguma parte em português para eles.
Os concertos são sempre 50/50. Eu consigo entregar 50% dando o meu melhor, mas também depende dos outros 50% do público. Mas eu preciso dar para o público alguma coisa para que eles consigam dar os 50% deles. Então eu tento me adaptar ao lugar onde eu vou, entender o lugar onde eu vou, e é sempre possível fazer uma celebração de certa forma. É tentar fazer o melhor que eu possa.
“Deixei aí uma parte de mimNo teu caderno, inicio ou no fim”
A: No contexto da tua participação no festival e das reações bastante polarizadas que ela teve, gostava de saber como é que pensas a tua música atualmente e depois de dez anos de carreira. Isto porque gostei muito da forma como disseste que cantas o Brasil e Portugal em medidas iguais, derrubando assim um pouco o estereótipo do que é, ou o que tem de ser MPB ou música portuguesa. Estes rótulos ainda importam?
L: Não necessariamente. Eu tento fazer algo integrativo, sem ter um rótulo especial e tento fazer isso em tudo na minha vida. Por exemplo, os músicos que estão tocando mais comigo hoje (porque eu agora vivo em Barcelona) são dois catalães – eu acho isso legal, essa troca. Agora vou ter um podcast na Antena 1 onde eu estou como host mas também chamei outras pessoas, um brasileiro e uma portuguesa, eu gosto dessa coisa de não separar, acho que tudo é a mesma coisa. Agora, eu obviamente acabo tendo o rótulo de músico brasileiro porque eu sou do Brasil. Mas eu faço música brasileira que ta falando para o mundo, especialmente integrativa, onde procuro atingir multiculturalidades. Para isso, rodeio-me de pessoas também dessas multiculturas, para não ser só uma equipe de brasileiros aqui na Europa. Juntar muitas pessoas, de muitas nacionalidades, muitos géneros, é isso que vai fazer com que o trabalho seja ainda mais integrativo.
“Bem vindos ao século XXI
Onde fingir o riso é comum
É o século XXI”
A: Em Século XXI dizes que “poesia perde força e destreza” e que “Investem em quem não diz nada, (…) porque o vazio é popular” falando do peso que as redes sociais e o algoritmo têm hoje no sucesso de um artista. No entanto, pelo menos à primeira vista, até pareces ser o exemplo de alguém que “sabe jogar esse jogo”. De onde é que vem a frustração por detrás da canção?
L: Eu não tenho nada especialmente contra o algoritmo porque ele me ajudou muito e ajuda atualmente – às vezes eu tenho a sorte de um vídeo meu chegar um pouco mais longe e mais pessoas acabam conhecendo o meu trabalho. O que eu sinto, especialmente em redes como o Instagram e o TikTok, é que o algoritmo preza aquilo que já está dando certo – se um vídeo é feito assim, você tem de reproduzir aquele vídeo e o seu vídeo vai-se tornar viral em algum momento, enquanto se você reproduzir diferente daquele, provavelmente, você vai cair num limbo do flop das redes. É esse o lado negativo, porque se preza algo comum e isso faz com que todo o mundo queira ser igual a todo o mundo. Às vezes eu fico rolando no Instagram, e passo uns 12 perfis fazendo exatamente a mesma coisa, com o mesmo áudio, a mesma dança, a mesma estética. Então isso faz com que a criatividade se perca. E eu também me considero viciado nas redes! Eu estou sempre no Instagram, ali rolando, achando que algum momento vai aparecer uma coisa que eu não posso perder – acho que é isso que acontece com o nosso cérebro e com o Instagram, essa coisa do feed, parece que vai rolar uma recompensa a qualquer momento. Enquanto eu vou rolando e tentando buscar uma recompensa no meu cérebro, eu vejo muitas coisas iguais e eu penso que a criatividade acaba não tendo muito espaço. Então essa é a minha crítica, digamos assim, ao algoritmo.
Tem alguns momentos na minha vida em que eu preciso tentar ficar um pouco no ócio, no tédio, e deixar o celular para trás para tentar não ter referências de coisas externas que está todo o mundo fazendo. Porque fazer algo igual é muito fácil e gera uma recompensa rápida, porque o algoritmo vai te entregar mais likes e seguidores. E você fala “cara, encontrei o meu lugar!”. Mas o seu lugar foi seguir uma manada, foi seguir o que todo o mundo está a fazer. Então quem é você, o que é que você pode dar de diferente? Às vezes eu tento pensar um pouco assim e ver se a criatividade vem de uma outra forma.
A: Os concertos de Lisboa e do Porto vão servir para celebrar os últimos dez anos da tua música, numa festa com banda. Que expectativas é que tens? Podemos esperar convidados especiais?
L: Eu estou muito feliz por celebrar estes dez anos aqui em Portugal porque, desses dez anos, sete foram aqui em Lisboa e poder celebrar esses dez anos aqui, num lugar que fez parte da minha construção como músico, é muito especial. Também nunca estive no Estúdio Time Out, como nunca estive na Casa Da Música no Porto, estou muito feliz com isso. Vai ser um concerto onde eu vou pegar todo o repertório, são cinco discos para trazer em palco, um pouquinho de cada. Ainda não sabemos se vai ter convidados especiais porque o repertório está começando a ficar longo – é muito disco para pensar – então estou tentando encontrar o espaço para trazer uma pessoa que eu admiro para cantar junto. Mas estou ensaiando com a banda e a pensar junto com os músicos a melhor maneira para celebrar esse momento. O repertório vai ser o mesmo em Lisboa e no Porto, a banda é que vai ser um pouquinho diferente – quinteto em Lisboa e trio no Porto.

Leo Middea toca este sábado, dia 12 de outubro, no Estúdio Time Out. Os bilhetes estão à venda aqui.