Muita coisa mudou desde 2008, ano em que os The Last Shadow Puppets vieram ao mundo com o seu até agora único disco, The Age of the Understatement. Nessa altura, os Arctic Monkeys de Alex Turner tinham dois discos no seu currículo (para mim os seus melhores) e gozavam do estatuto da concretização rápida da promessa para certeza como o projecto mais forte e promissor do rock britânico. A banda ainda vivia na cidade natal de Sheffield e enfrentava o mundo com a energia feroz que só a extrema juventude garante. Agora, oito anos depois, muita coisa é diferente.
Os Monkeys abandonaram o seu som pop-rock de subúrbio britânico em troca do sonho californiano, mais próximo do rock norte-americano, a que não é alheia a relação de grande cumplicidade forjada com Josh Homme, que influenciou decisivamente o som da banda. Turner deixou para trás o blusão de fato de treino e é agora um neo-rockabilly, que vive em Los Angeles com a namorada Taylor Bagley, uma modelo norte-americana. O autocarro nocturno de Sheffield deu lugar à Harley Davidson de LA. É claro que os Monkeys continuam a fazer discos, óptimos discos, aliás, mas a confiança agora é outra.
Falta-nos falar, é claro, da outra metade dos Puppets, Miles Kane. Conheceu Turner em 2005, e imediatamente se forjou uma amizade que roça a fraternidade, e que dura até hoje. Depois de anos com os Rascals, Kane tem actualmente uma bem razoável carreira a solo, mas é um facto que a sua projecção ganhou, e muito, com a ligação a Turner.
Agora, oito anos depois da estreia em disco, os rapazes estão de volta, com este Everything You’ve Come to Expect. O título é certeiro e enganador. Certeiro porque, ouvindo o álbum, é notoriamente um disco dos The Last Shadow Puppets. Estão lá as cordas, as harmonias, a voz melodiosa de Turner. Mas é também enganador, porque este segundo tomo dá passos para zonas inexploradas.
O primeiro álbum era uma carta de amor ao trabalho de Scott Walker nos anos 60, aquele som de pop de câmara, com um ‘crooning’ ensopado em belíssimos arranjos de cordas. Um ambiente de outro tempo, uma produção cuidada e romântica, uma viagem no tempo. Everything You’ve Come to Expect pega onde The Age on the Understatement ficou. O mesmo som, as mesmas melodias deliciosas, os mesmos arranjos luxuriantes e trabalhados até ao pormenor, cortesia mais uma vez do prodigioso Owen Pallett.
Gravado em Malibu, o disco é composto por 11 temas, quase todos muito fortes. A abertura, com “Aviation”, com um ritmo saltitante, cumpre muito bem a sua função de introdução e, ao mesmo tempo, fazer a ligação ao primeiro disco. De seguida, “Miracle Aligner”, traz-nos os adorados ecos de Submarine, a banda sonora escrita por Turner em 2011. “Dracula Teeth” é Puppets vintage, embora impregnado de uma sensualidade que não lhes conhecíamos até aqui. “Everything You’ve Come to Expect” é uma delícia lenta e uma caixa de música intrincada, de teclados e cordas. “The Element of Surprise” mantém a identidade do grupo mas junta-lhe swing e groove, um toque de soul que assumidamente era intenção dos rapazes buscar. Segue-se “Bad Habits”, que já tinha sido dada a conhecer antecipadamente e que havia causado alguma estranheza, face ao ritmo mais acelerado e ameaçador do que alguma coisa feita pelos Puppets até aqui. Apesar de tudo, esta bombinha rock funciona bem, integrando-se sem problemas na coerência interna do disco, mas não sendo verdadeiramente representativo deste.
“Sweet Dreams” é um tema quase ‘doo-wop’ e traz-nos de volta os momentos mais calmos dos Monkeys e do já citado Submarine. “Used to be my girl” é um tema competente, certo, mas não deixa grandes marcas. De seguida temos “She Does the Woods”, uma das músicas mais complexas do disco e ocasião para apreciarmos a mestria de Owen Pallett, que marca indelevelmente todo este trabalho. Em direcção ao fim do disco há ainda tempo para “Pattern”, mais uma pérola pop com harmonias vocais a entrelaçarem-se com os arranjos de cordas. O último tema é “The Dream Synopsis”, um sonho lento e arrastado, doce e muito bonito.
Everything You’ve Come to Expect é uma adição imaculada à obra dos Puppets, podendo muito bem vir a ultrapassar o estatuto do disco de estreia, que já de si era muito, muito bom. Uma mostra de como é possível uma banda manter o seu ADN e, ainda assim, evoluir, como temos aqui com o namoro ao rock e à soul, sem nunca perder a personalidade. Certamente, um dos grandes álbuns deste 2016, e mais uma prova (era preciso mais alguma?) do génio desse prodígio chamado Alex Turner.