Reportagens

Kurt Vile || Lisboa ao Vivo

Com um grande álbum acabadinho de sair do forno, Kurt Vile traz-nos um pouco de rock “à americana” e incendeia a noite lisboeta com um concerto irrepreensível.

Depois de um showcase a solo na Fnac Chiado, chegou finalmente a hora de Kurt Vile, desta vez acompanhado pelos seus Violators levar-nos tanto à América dos desertos e estradas intermináveis como à das palmeiras e dos subúrbios soalheiros.

A noite começou com um set demasiado breve de Meg Baird e Mary Lattimore, uma colaboração entusiasmante para quem gosta do seu folk contemplativo e psicadélico. Com apenas uma guitarra acústica, uma harpa e uma mão cheia de pedais o duo de Philadelphia envolveu o Lisboa ao Vivo com uma névoa de arpejos cintilantes e acordes etéreos. Estranhamente, parece que o público aderiu muito mais à subtileza deste concerto do que à energia mais direta do concerto seguinte.

A banda ainda não tinha pisado o palco e os fãs já estavam ao rubro. Para além das guitarras, dois “ninhos” de sintetizadores em lados opostos sugeriam o refinamento no som do músico do Philadelphia. E “Loading Zones”, do novíssimo Bottle It In, confirmou essas suspeitas. O seu estilo vocal, conversacional e descontraído permanece intacto mas a letras revelam uma maior preocupação em contar uma história em vez de funcionarem como um retrato instantâneo de uma personagem ou situação.

“Bassackwards”, o primeiro épico da noite, segue, tal como “Cold Was the Wind” em particular e a maior parte do novo disco, a mesma linha Springsteen-iana, no que toca a letra, mas os sintetizadores agora fazem-se ouvir, acrescentando uma nova dimensão à música. À terceira música, “Hysteria” percebe-se que o público está menos interessado em ouvir as novas músicas de Vile e mais interessado em ouvir esta ou aquela música específica (consequências, talvez, do álbum novo não ter ainda duas semanas).
Durante “Goldtone”, uma canção sobre “acordes doces”, o público começa a aquecer e há bons motivos para isso: A música que fecha o excelente Wakin on a Pretty Daze é um exercício em ginástica músical com os seus solos estendidos e uma progressão de acordes que faz juz ao seu nome. Finalizada a música, os Violators abandonam o palco, Vile pega numa guitarra acústica e bastaram umas parcas notas para o Lisboa ao Vivo entrar em erupção: o blues sentimental de “Runner Ups” emergia timidamente do palco enfeitiçando toda a gente.

O climax do concerto deu-se em “Wakin on a Pretty Day”, a “faixa-título” do álbum do mesmo nome. O terceiro épico do concerto, a canção foi tocada com todo o triunfo que merece. As secções que em disco eram calmas e contidas, ganharam nova intensidade em palco e os solos tornaram-se estridentes e cacofónicos. Tanto Vile esteve em excelente forma e com uma confiança em palco que só os últimos anos em digressão poderiam proporcionar. As suas idiossincrasias e o seu humor são amplamente demonstrados, com ocasionais comentários entre estrofes e tentativas de conversa com os fãs entre canções. Os sintetizadores fizeram-se ouvir em “Check Baby” formando a “cama” por cima da qual a canção desabrochou. Um pouco de groove só faz bem a um público com uma notável falta de ânimo (talvez ainda estejam a recuperar depois do assalto de “Wakin on a Pretty Day”).

Os hinos foram, obviamente, guardados para o final do concerto. “KV Crimes”, uma das músicas mais orelhudas de Vile, foi recebida com efusividade pela audiência, com os seus acordes bombásticos e uma voz algures entre um Leonard Cohen bêbedo e um Lou Reed sóbrio. “Skinny Mini”, foi o último épico do concerto e mostrou que Kurt Vile ainda os sabe escrever com a mesma mestria de sempre. A sua secção final, com as suas melodias de guitarra incandescentes e um vocal desvanecido em reverb, é um dos pontos altos do disco e do concerto que encerrou.

Excepto que, tal como Bottle It In, que acaba com uma faixa escondida, o público no Lisboa ao Vivo foi brindado com uma versão enérgica de “Pretty Pimpin”. Pela primeira e última vez no concerto, ouvimos os fãs a cantar em uníssono com Vile, num encore cujo tom devia ter sido igual ao do resto da noite.

Fotografia: Hugo Amaral