O revivalismo psicadélico invadiu a corrente da britpop com um álbum que não pede desculpas pelas suas influências. K dos Kula Shaker vai directo às raízes do psicadelismo britânico e junta-lhe a frescura do movimento dos anos 90, com uma pitada da pop orelhuda à Blur ou o rock mais enérgico dos Oasis.
A verdade é que as bandas da Britpop nunca se movimentaram longe das lições dos anos 60, reciclando ideias pop dos Beatles, dos Kinks ou dos The Who e sempre com uma forte identidade britânica.
Mas os Kula Shaker foram mais longe e recuperaram o misticismo à George Harrison até então esquecido pela pop.
A banda liderada por Crispian Mills revelou logo com a estreia em 1996 com o single «Tattva» um enorme interesse pela cultura oriental, injectando no tema texturas da música indiana e letras em sânscrito. Aos instrumentos tradicionais do ocidente juntavam-se a cítara e as tablas, por exemplo.
E, de facto, esta junção era algo que faltava à música popular há vários anos. Existem pelo caminho algumas experiências, é certo, mas tudo relativamente obscuro. Um dos exemplos que me ocorre é precisamente de 1996 e no último disco dos Screaming Trees, a mais psicadélica banda a sair do grunge de Seattle, onde é possível ouvir igualmente alguns instrumentos exóticos. Por isso mesmo, Dust é uma das obras-primas esquecidas dos anos 90, mas que fez uma óptima despedida dos Screaming Trees.
Já os Kula Shaker surgiram numa época em que a indústria fonográfica britânica protegia e impulsionava a sua música. E, numa altura em que as grandes editoras procuravam a próxima banda capaz de emular o sucesso dos Oasis, capazes de estabelecer pontes entre os diferentes públicos, alternativo ou mais comercial, os Kula Shaker foram uma das grandes apostas em pleno auge da britpop.
Ao vencerem um prestigiado concurso de bandas em 1995, partilhando o pódio com os Placebo, asseguraram um contrato discográfico com a Columbia.
Na altura, já o grupo de Crispian Mills estava plenamente imbuído do misticismo psicadélico de outros tempos; o resultado desse fascínio pelo oriente leva Mills a alterar o nome do grupo, que chegou a chamar-se The Kays.
Inspirado por um imperador do século nono e ao mesmo tempo figura sagrada da cultura da Índia, o Rei Kulashekara, cujo significado se refere a alguém com sorte ou auspicioso, Mills transformou os The Kays em Kula Shaker.
Após a edição do primeiro single, os Kula Shaker continuaram a manifestar a sua aproximação ao psicadelismo dos 60s com o segundo: «Grateful When You’re Dead». A clara homenagem aos Grateful Dead, com um rock abrasivo à Jimi Hendrix, fez os Kula Shaker entrar no Top 40 e dessa forma chamar atenção dos media.
O grupo regressou às tabelas com uma nova gravação de «Tattva», a mesma que iria figurar no álbum de estreia. E, com o quarto lugar do Top assegurado, estava dado o impulso para K, o primeiro disco de Kula Shaker editado em Outubro de 1996.
De forma surpreendente, o revivalismo psicadélico do grupo de Londres começou a conquistar o mundo. K bateu recordes de vendas, tornando-se à época o disco de estreia que mais rapidamente vendeu, superando outro nome do movimento britpop, um ano antes: as Elastica.
Contudo depressa se percebeu que a opinião sobre os Kula Shaker não eram unânimes entre o grande público. Se por um lado havia quem saudasse o rejuvenescimento do psicadelismo, houve quem criticasse a banda por se colar tanto às referências dos anos 60, em particular aos Beatles e às canções de George Harrison. Registe-se que em K existe muito para comparar aos Beatles, logo pela capa, que reúne uma série de personalidades ou personagens conhecidas, à semelhança de Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band de 1967. Mas aqui os Kula Shaker reúnem quem tivesse a letra «k» em comum, como por exemplo Karl Marx, John F. Kennedy, Grace Kelly, Martin Luther King ou mesmo King Kong ou Krishna.
Ainda assim as fortes críticas negativas que os Kula Shaker enfrentaram não os demoveram, e disparam com o último single de K, o tema «Govinda», mesmo no final do ano. Quem os acusara de terem estado muito próximos do misticismo psicadélico dos 60s encontrou os Kula Shaker a cantar totalmente em sânscrito, rodeados de cítaras e tablas. Mais «in your face» do que isto era impossível.
De resto são as canções mais orientais de K que ainda hoje perduram, como é o caso de «Govinda» ou «Tattva».
O sucesso de K deu aos Kula Shaker um Brit Award, na categoria de Revelação do Ano.
Logo a seguir, mais uma vez encostaram-se aos anos 60, numa nova reinterpretação de «Hush», tema popularizado pelos Deep Purple. A nova versão deu aos Kula Shaker o maior êxito da carreira, quando o single ocupou a segunda posição da tabela de vendas.
Após K os Kula Shaker ainda editaram um segundo disco, em 1999: Peasants, Pigs & Astronauts. No entanto, na altura já o movimento da britpop estava moribundo, assim como o fascínio pelo psicadelismo. Aos poucos, os elementos dos Kula Shaker foram-se dedicando a outros projectos. O grupo acabou oficialmente em 2005.
Porém regressaram no ano seguinte, editando mesmo um novo disco, Strangefolk, em 2007, embora sem o sucesso comercial de outros tempos. Um último disco chegou em 2010, Pilgrim’s Progress, mas igualmente ignorado pelo grande público, apesar das óptimas críticas.
Naturalmente que a actualidade da música britânica, com o regresso do psicadelismo mais pop, representado em bandas como os Temples, permite antever um regresso dos Kula Shaker, que deram o último concerto em 2010.
Se esse regresso em plena febre psicadélica não fizer parte dos planos de Crispian Mills, então resta-nos colocar os álbuns do grupo a tocar, em particular K que ainda hoje soa refrescante, apesar do imenso reciclar de ideias dos anos 60. Mas a sensibilidade pop do grupo, aliada a uma enorme energia e respeito pela cultura oriental, faz deste disco um dos trabalhos mais notáveis da geração da britpop.
E não é por acaso que o disco regressou em 2011 ao mercado, quando celebrou 15 anos. O álbum veio com dois CD, com alguns extras nunca antes editados e um DVD com um documentário sobre este registo crucial dos anos 90, que de certa forma antecipa um pouco da actualidade musical em que se vive um novo reciclar das ideias da era psicadélica.
Felizmente é fácil provar esta teoria… ponham o disco mais uma vez a tocar e deixem-se levar pela viagem psicadélica de K, a estreia dos Kula Shaker em 1996.