Chegámos ao Coliseu dos Recreios num misto de curiosidade e entusiasmo. Para entrada tivemos uma muito breve, mas bastante cativante, aparição dos Etran de L’Aïr, banda nigeriana, que trouxe o seu tuareg desert blues à la Tinawiren para aquecer os motores.
A paragem para uma ida ao bar mostrou-nos a dedicação que existe à volta dos australianos, com uma fila interminável para merchandising. No regresso, um aviso projetado no ecrã servia de prelúdio ao espírito da noite: “À medida que cresce o enxame de esquisitóides, temos de trabalhar no duro para manter a nossa comunidade inclusiva.” E nós, ainda a digerir a azia da ressaca eleitoral da noite anterior, encontrámos ali uma centelha de energia redentora.
Era o segundo de três concertos consecutivos dos King Gizzard & The Lizard Wizard em Lisboa. Três noites, um só espetáculo repartido em episódios, sem repetições no alinhamento, cada data um fragmento único de uma odisseia sonora. Tarefa fácil para quem carrega uma discografia de proporções quase mitológicas: 27 álbuns de estúdio, mais 56 ao vivo, uma coleção de EPs, remisturas e compilações… tudo isto em apenas 12 anos. Mas um tanto difícil para nós, os comuns mortais, que tentamos acompanhá-los. É, aliás, quase impossível chegar-se “preparado” a um concerto dos Gizzard. Mas isso ali interessa zero. Faz parte da beleza da coisa.
As luzes apagam-se e o Coliseu é engolido por um rugido coletivo. Stu MacKenzie entra em palco de jardineiras de ganga e o cabelo recém-rapado da noite anterior. Sorrimos com alguma inveja saudável. Mas agora era a nossa vez! Que arranque a viagem!
O que se seguiu foi um turbilhão sónico. Os Gizzard são conhecidos por empurrar os limites do que entendemos por “banda”. É como se tivessem metido toda a história do rock numa liquidificadora: psicadelismo, metal, trash, surf rock, blues e jazz misturados num cocktail potente e alucinatório. Em palco, funcionam como um organismo vivo e mutante. E tudo ali fazia sentido. Até mesmo quando as canções se prolongavam, em improviso, até à canção seguinte.
Ver King Gizzard & The Lizard Wizard ao vivo é submeter-nos a um ritual de caos controlado. Não é apenas um concerto, mas um acontecimento. E para quem assiste pela primeira vez, a experiência é eletrizante, como uma epifania amplificada por decibéis.
Os King Gizzard podem ser uma banda de culto à antiga, mas muito moderna nas formas de inclusão: os concertos são transmitidos em direto no canal de YouTube da banda. Tomem.
Setlist Ato II + Youtube Ato II
- Iron Lung
- Hypertension
- This Thing
- Supercell
- Dragon
- K.G.L.W.
- Doom City
- Nuclear Fusion
- Evil Death Roll
- Digital Black
- Han-Tyumi the Confused Cyborg
- Soy-Protein Munt Machine
- Vomit Coffin
- Murder of the Universe
- Le Risque
Setlist Ato III + Youtube Ato III
Fotografias (do Ato I): Rui Gato































