Evidências não ficam bem num disco de hip hop. Se a chave está entre a palavra e a batida, desperdiçar espaço com o que já todos ouvimos só tem paralelo em encomendar a música de fundo aos Maroon 5 ou aos U2.
Kendrick Lamar não precisa. Nem de se gabar da “lealdade e realeza no DNA” (“DNA.”), nem de pedir ajuda para chegar aos rádios dos carros de família. Também já não precisa de se anunciar disponível para “morrer por esta merda” (“ELEMENT.”). Tudo verdade, nós já percebemos e ele, no fundo, sabe-o. A prova está no título do dueto com os U2, um envergonhado “XXX”, para 4’14 minutos de música em que se ouve mais Jazz que Bono.
Em 2012, à Complex, Lamar escolheu os discos da vida. De Compton, terra de Dre., naturalmente foi Chronic o primeiro que ouviu “de ponta a ponta”. E não falta na lista a Realeza que se entranhou no DNA. Há BIG e 2Pac, há Ice Cube e Snoop e claro a educação falhada da Senhora Lauryn. Lamar cresceu com os clássicos e nem os pecados lhe escaparam – em DAMN. não só se ouve uma boa dose de fanfarronice como também há uma música com Rihanna. Pecado para quem lança pérolas como “FEAR”, um monumento de mais de sete minutos.
Se entre Welcome to Compton (2014) e To Pimp a Butterfly (2015) o salto apanhou o mundo desprevenido, para DAMN. o amadurecimento não foi menor. Primeiro, hip hop tradicional. Depois, uma aventura rude, com balanço de jazz – género que, contou em entrevista a Rick Rubin, só descobriu já no estúdio de gravação. Agora, um manifesto. Estão em DAMN. as ambições a artista de pleno direito, a porta-voz de geração, a líder de alcateia sem líder desde a transformação de Kanye, de West em Kardashian.
“DNA” seria música suficiente para o deixar à frente, bem à frente, de tudo, tranquilo no primeiro dos lugares entre pares, à moda do latim que enfeitava os velhos maços de Ventil. Mas DAMN. tem mais, tem “ELEMENT.”, “FEEL.” e “FEAR.”, todas bem acima das possibilidades da concorrência directa, facilmente da viva e, mais difícil, da hibernada entre reality shows e apertos de mão com Donald Trump.
É verdade universal – os tronos são mais fáceis de conquistar que de manter. Não é menos verdade que ainda há pouco um casal de celebridades pedia que o venerassem no trono. Garantido é que hoje já poucos resistem à ideia de que o cadeirão é de Kendrick Lamar.
Muito poucos o assaltaram com tamanha voracidade. O balanço não fica atrás de Dre, seria renhido um jogo de Scrabble com Eminem, a mensagem está afinada com Kweli e a diversidade musical de que se vale faz prever fantasias, retorcinadas como as de Kanye. DAMN. é só mais um passo entre a Realeza. A tal em que Lamar sabe como se comportar, a mesma que só a lealdade o impede de destronar.