Anda Jaleo é um feliz encontro entre a voz de soprano-folk vinda do Colorado de Josephine Foster na companhia da latina The Victor Herrero Band e “A Colecção das Canções Populares Espanholas” de Federico Garcia Lorca, com guitarra portuguesa à mistura. Um álbum que tem tanto de surpreendente como de genial.
Preparava-me para escrever sobre o álbum No More Lamps in the Morning de Josephine Foster, quando tropecei em Anda Jaleo. Anda Jaleo remonta a 2010 e, sinceramente, não sei como pude ser tão descuidada para não ter dado a máxima atenção a este disco. Na tentativa de recuperar os anos perdidos, tenho-o ouvido ininterruptamente, e o que acontece é que quanto mais o oiço mais o quero ouvir e mais o adoro!
Anda Jaleo é disco para se colocar no prato (sim, existe edição em vinil), e ouvir inteiro e de seguida. Cada canção é bela por si mesma, mas A Colecção das Canções Populares Espanholas de Federico Garcia Lorca, recolha e compilação de canções populares feita pelo poeta espanhol, por ele gravadas no início dos anos 30 e proibidas pelo Franquismo (facto que, abre desde logo, o apetite para devorar este disco) aqui reinventadas por Josephine e a banda de Victor Herrero, deve ser absorvida por todos os sentidos, na sua totalidade.
A voz delicada de soprano folk de Josephine Foster, natural do Colorado e que cantava em casamentos e funerais, transporta-nos sempre para outro tempo, algures nos anos 20 talvez, mas aqui vai ainda mais longe, de mãos dadas com as castanholas, as palmas, o assobio, a harmónica, a harpa, as vozes latinas de Victor Herrero e companhia, as sevilhanas, o sapateado flamenco, a paixão, a delicadeza, o dedilhar da guitarra e até da guitarra portuguesa tão magistralmente explorada por Victor Herrero!
Se dúvidas houvesse quanto ao cuidado que estes músicos têm com a música que criam e a beleza que dela resulta e, para os menos atentos ao trabalho desta dupla (Josephine Foster e Victor Herrero), em Anda Jaleo está bem visível o virtuosismo, a capacidade criativa, como também a riqueza emocional e a alma com que a compõem!
O disco é riquíssimo, mas nada está lá ao acaso ou em excesso. Há tantos instrumentos improváveis misturados, cromatismos, vozes diversas conjugadas, pancadas, assobios e tudo funciona de forma tão harmoniosa que ficamos surpreendidos com um resultado tão simples e honesto.
Este álbum podia ser apenas um conjunto de canções belas e bem interpretadas, com arranjos de excelência, mas vai além disso tudo porquanto é, ele próprio, uma nova leitura do objecto etnográfico que mantém viva a memória colectiva popular e, nesse sentido, também um digno registo.
Este Anda Jaleo, mais do que um disco belíssimo, é a volta do canto dessa massa densa e anónima dos que nunca têm voz nem rosto, dos que cantam todo o dia, todos os dias e recolhem à noite, cansados, a adormecer os filhos com uma canção de embalar – a última do disco: “Nana de Sevilla” -, é para não deixar esquecer a História, essa História onde cabem todos, todos até os mais cruéis actos de que os homens são capazes porque lembrar Lorca é lembrar as atrocidades da ditadura de Franco e da Guerra Civil Espanhola.
Quem ainda não viu Josephine Foster e o seu companheiro Victor Herrero ao vivo, é muito provável que no decorrer dos próximos anos venha a ter essa oportunidade, pois é sabido que Josephine gosta muito de Portugal, especialmente de Lisboa e do Porto. Não os vão encontrar em festivais, antes em concertos pequenos, em salas como o Teatro Maria Matos em Lisboa e o Passos Manuel no Porto, embora já maiores do que nos primeiros tempos, quando Josephine cantou no Porto num pequeno bar situado na Ribeira (O Meu Mercedes), ou numa tarde de Verão num dos jardins de Serralves, onde se pode sempre disfrutar da proximidade com os músicos e da oportunidade de lhes falar, porque se misturam muitas vezes com o público, no bar, por exemplo.
Josephine começou por cantar em casamentos e funerais, foi professora de canto e posteriormente chegou a colaborar com Devendra Banhart. Mas marcou a sua posição a solo, sempre acompanhada por grandes músicos, de quem se destaca o seu guitarrista Victor Herrero que gosta de se libertar e entrar pelo vasto mundo do experimentalismo, quer com a guitarra eléctrica, quer com a sua nova amiga, a guitarra portuguesa, e com quem Josephine Foster tem vindo a gravar em co-autoria.
Anda Jaleo, de Josephine Foster e The Victor Herrrero Band, é um disco a não perder de vista!