Pedro Gomes, fundador da promotora Filho Único. Guitarrista desse grupo catártico CAVEIRA em cujos concertos não entra quem não esteja disposto expurgar a alma das falinhas mansas que a vida nos impinge diariamente.
A solo apresentou-se na ZDB com um registo a raspar o free jazz, umas ideias de hard bop, umas ideias de blues e uma data de outras coisas que se atropelavam constantemente. Ritmos urbanos, tensos, fabris, por vezes exasperados, por vezes cansados. Espectáculo de um tema só, apenas resultou para quem teve a coragem de acreditar. Como aqueles filmes em que se demora a entrar, mas onde depois nos sentimos embrenhados neles.
Com Glenn Jones quase saltámos para o campo oposto. O frenesim esgotante e babilónico da actuação de Pedro Gomes dava agora lugar à reconciliação com a natureza, o passado, as pessoas do passado e o passado das pessoas, todas aquelas coisas em que pensamos quando não estamos ocupados – ou precisamente quando estamos ocupados.
Lá fora chovia, a jorros, Glenn contava-nos uma história entre cada música, falava-nos dos locais onde vivera, por onde passara, as pessoas que conhecera, os músicos que já morreram, John Fahey e Robbie Basho à cabeça e, merda, não queria ter falado de John Fahey como parece ser inevitável fazer quando se fala ou se escuta ou se vê Glenn Jones. Agora já está. Estivemos tão próximos do músico como estivemos próximos de toda a sua vida, imaginámos a América profunda, as estradas da América profunda, as planícies sem fim, os carros gigantes, aquelas casas de madeira que voam com os furacões, o bacon barrado com manteiga que supostamente o amigo Fahey comia. Silêncio. Chama e sombra ao mesmo tempo. Tudo tão imensamente sereno como melancólico, tão imensamente etéreo como telúrico, as músicas que resumem as nossas vidas e as músicas dos genéricos de fim dos filmes, daqueles que nos deixam com o sabor agridoce de nos terem encantado mas que ao mesmo tempo nos deixaram tristes. Mas também são assim as memórias que vamos juntando na vida.
Fotos de soundcheck gentilmente cedidas por Vera Marmelo.