
Após a bem-vinda visita dos Föllakzoid ao NOS Primavera Sound de 2014, a banda cósmica chilena regressou esta semana aos palcos portugueses para apresentar III, disco do ano passado. Era sábado, e à porta do Musicbox esperávamos ansiosamente o concerto – a primeira parte, a cargo dos Qer Dier, tinha sido cancelada e, consequentemente, a hora de abertura das portas adiada. Por volta das 23h, entrámos.
Alguns cinquenta minutos depois, finalmente, entrou em palco, de boné, Domingo García-Huidobro. O guitarrista não perdeu tempo e pegou no seu instrumento, atacando as cordas sem piedade, criando os primeiros loops de delay da noite. De camada em camada, de lençol em cobertor, ia fazendo a cama para Juan Pablo Rodríguez, baixista também de boné, que atacava notas sábias e sóbrias no baixo, contrastando e conduzindo os sons repetidos, reverberados e transportadores da guitarra. Entra Diego Lorca na bateria e começamos definitivamente a viagem.
Camufladas e impiedosas, as baquetas chicoteiam os cavalos-címbalos que puxam a carroça espacial. Pelo caminho, ouvimos vozes inexplicáveis, que estão presentes sem o estar, almas de estrelas que esvoaçam em órbitas perdidas e apenas paramos uma vez. Percebemos quem são os Föllakzoid: mensageiros enviados das catacumbas da Terra, do poisio do céu estrelado, para nos mostrar a verdade cosmogónica – não fosse o seu país de origem, o Chile, um dos melhores lugares do mundo para a observação do espaço. Facilmente acreditamos nessa verdade sombria, calafria e sideral, embalados numa manta etérea de notas ora entrelaçadas ora paralelas, de certidão rítmica e distorção q.b. a dar o salto necessário para o caos momentâneo, explosões contidas que nos enchem as medidas mas nos deixam a salivar por mais.
Perto do final do percurso estelar, duvidamos da veracidade da sua mensagem, já que a fórmula se começa a tornar num truque fácil e repetitivo, quase igual de canção em canção – não deveria ser surpresa, já que o último álbum dos Föllakzoid é também o menos ecléctico da banda. Ainda assim, não perdemos o gosto e continuamos até ao fim, agitando e abanando todas as partes do nosso corpo, expurgando todos os males e agarrando o Universo com os ouvidos. Ouvidos que se enchem e zumbem para sempre, inesquecendo as paisagens e lugares que visitámos quase sem darmos conta disso, dando-nos conta só à chegada de que havíamos abandonado a forma humana.
Fotografias de Rafael Oliveira