Malher Remixed surgiu inesperadamente de um convite à dança excedida para lá da música e da poesia.
Pela insistência sonora e transfronteiriça a que Fennesz se causava, não me parece justo que sirva este texto para expôr analiticamente a reinterpretção conjunta que – com Lillevan – fez das sinfonias de Gustav Mahler. Prefiro causar-me às sensações várias que o som em breves e largas loop layers de excertos e passagens – algumas até irreconhecíveis – de sinfonias de Mahler me causou.
A impressão electrónica que Fennesz incutia nas orquestrações oitocentistas sugeria-se-nos inequívoca. Talvez, poucos homens serão capazes de se inteirarem com tanto fôlego e ânimo do peso e da volumetria sonoras de Mahler. A exploração sonora perfilhou-se em si mesma, cuidando da atenta desconstrução binária dos pares estéticos.
Enredou-se-nos o juízo por entre o noise, o erro e o acerto do que era expirado, e a repetição, o repousado equilíbrio sonoro harmonioso; imóveis encontrávamo-nos antes do êxtase sonoro que se nos impunha. A guitarra não se reservou ao seu estado instrumental, antes, serviu-lhe de cinzel escultórico à airosidade orquestrada de Mahler. A elegância com que – através do consciente manuseamento de tons reverberados – dançava vagarosamente para lá da própria música e da poesia sugeria-se-nos genuína e ímpar.
Ordens ascensionais de coros angélicos entoados para lá do que era humanamente reconhecível: sonhávamos alegres e contentes, comprometidos à promessa que o engenho electrónico firmava. O tórrido ruído desinquietava-nos pela eletrificação consciente do limbic state em que entrámos: entre o sono e o sonho – humanos e, por isso, frágeis.
Lillevan serviu para corporizar a representação discursiva de Fennesz; a tela engrandecia-se entre cores gélidas e fervorosas, abstractas e de difícil atribuição linear de sentido e matéria, livres da possibilidade de auto-engano, definiam-nos sem distanciamento algum.
O sonho fez-se num estado flutuante entre estados representativos do êxtase sonora e da voragem imagética. Fennesz e Lillevan, recorrendo a Foucault, são o resultado da história e transpõem-se, como tal, para uma instância discursiva em que o expectável se esgota, ressurgindo, por último, na obliquidade infinda do ser humano.
Fotografias gentilmente cedidas por José Frade