Terramoto, terra morta, a morte lenta da terra, a guitarra alto o suficiente para nos fazer tremer sem destruir os ouvidos. Ouvimos o drone constante, passe a redundância, a voz cantando versos que nos servem de bússola. “I have failed in my duties” diz-nos que estamos em “Polaris”, tema de abertura de Stoner Rock (2014).
Os pratos como estilhaços, fagulhas incandescentes, pontas de lanças ardentes a destruir em pedaços a muralha das nossas almas. E entram. Não sabemos se saímos ou se entrámos também. A luz laranja fazia do baixista Dave Terry uma estátua banhada a bronze, lança, espada, escudo, elmo e cnémides, todas as partes prontas para o confronto lento, corpulento e supersónico. A bateria ora lassa ora impiedosa de Mike Smith transformava-se em arietes e trabucos que deitavam abaixo as últimas pedras que nos muralhavam.
Ohm magistral, cerimónia pastoral, afinação em Ra, o final de cada compasso a fazer o pescoço partir, a cabeça cair em adoração. O abraço da distorção perfeita. O mantra hipnótico que nos rapta. O drone infinito e arrítmico, circular e magnífico. A bateria, estagnada, acabando por regressar, alada da guitarra serpente de Mike Vest que anunciava a vitória gloriosa, qual explosão de notas celebratória, ritmos nunca antes escutados sacudindo-nos plenos. Escalas de glória e magnificência. Ritmos cada vez mais efusivos, a ascenção ao céu corporizada, os textos e canções épicos a serem escritos diante de nós, meros mortais. Uma só nota do início ao fim do concerto que nela continha tudo. Um último respirar eterno antes de desligar o amplificador. Cada vez mais contido, cada vez mais grave, cada vez mais longe. Até que, por fim, o portal se fecha.
Fotografias gentilmente cedidas por Vera Marmelo