Foram rápidos. Chegaram e impuseram-se de forma quase imediata. Aos poucos, vão-se tornando um caso sério da arte de bem fazer boa música. Há quem olhe para eles como os novos Dead Combo, mas dão pelo nome de Expresso Transatlântico.
A ideia de que a ressaca é sempre um momento de incómodo e de sofrimento, afinal… pode ser pura mentira. E, ao contrário do que sempre se disse, o efeito da mesma pode muito bem ser o oposto do que se espera, tais os exageros cometidos. Assim como em tantas outras coisas na vida, é a arte que nos salva. A arte dos sons e dos ritmos, a arte das melodias, essa transcende tudo e instala-se em nós como coisas essenciais e boas. Por tudo isto, não temam a Ressaca Bailada dos garotos Gaspar Varela, Sebastião Varela, Rafael Matos e amigos. Bem pelo contrário. Entreguem-se a ela, que não se arrependerão.
O recente longa duração trouxe mais ritmo e mais espírito de dança (mas calma, que isto não é uma danceteria ambulante, ok?) do que o ep inicial. Ao que parece, e segundo os próprios, o facto de terem feito muitos espetáculos pelo país, terá sido importante para a produção de um som mais pujante e a tender mais para irrequietude, mais para o embalo do corpo e o menear das ancas e dos pés, embora de forma comedida. Depois de uma “Primeira Rodada” (referência ao tema de abertura do ep de 2021), Ressaca Bailada apresenta-se com toda a pompa e circunstância nuns gloriosos trinta e seis minutos de duração, mais coisa menos coisa. São nove faixas reveladoras de uma assinalável personalidade própria, mesmo que, por vezes, a ideia de serem os novos Dead Combo paire no ar. Entende-se a genealogia, mas parece-nos redutora. No entanto, a terceira faixa do álbum – “O Gangster (Canção para Dead Combo)” – é totalmente explícita no título e também na forma, surgindo como uma justíssima homenagem ao falecido Pedro Gonçalves, uma das faces do saudoso Combo.
O Fado está-lhes na alma, está na essência do que por aqui se ouve. Mas também outras tantas coisas que passam por distantes (umas mais do que outras, é certo) geografias sonoras, como sejam o sabor a western ou o pulsar de África e dos seus requebrados ritmos. “Western à Lagareiro” (que título espantoso, já agora) e “Beco da Malha” são a prova do que se afirmou. Aliás, se quisermos aplicar o devido rigor a esta breve apreciação, todas as outras faixas também poderiam servir de prova, excetuando o “interlúdio “Duas Margens”. Está exatamente a meio do disco e funciona como um instante de um qualquer filme português imaginado onde a força da palavra incendeia uma pequena narrativa de encontros e desencontros, “como duas margens à espera de uma ponte”.
Ressaca Bailada traz ainda consigo a (algo) melancólica “Stáreropz” e a conhecida “Barquinha”, que conta com a participação vocal de Osiris, o Conan tuga dos tempos de agora. E aqui, a este respeito, há posições opostas. Uns que defendem que ficaria melhor sem voz, outros que concordam que os versos “virar a barquinha” merecem ser cantados. Uma coisa é certa, “Barquinha” tem uma força instrumental contagiante, que talvez se perca um pouco com o cantar-quase-gemido de Osiris. Serviu de single e serviu bem.
Para (quase) fim de texto, uma curta referência à primeira e última faixas do álbum. “Bombália” abre as hostilidades com garra e ânimo, enquanto “Ressaca Bailada” cumpre esse e ainda o propósito contrário, começando com picos de exaltação, afundando-se depois, numa certa dormência de fim de ciclo e de missão cumprida. No entanto, fica a ideia: quem escutou estes temas ao vivo, poderá ficar um pouco reticente com estas gravações indoors, em a genica do palco dá lugar a uma certa disciplina estoica de estúdio.
O primeiro LP dos Expresso Transatlântico é um rápido, mas contagiante abraço às raízes lusas e ao mundo que os lusos, noutros tempos, conheceram e que agora revisitam.