Concentração. Fechar os olhos, limpar a cabeça e pensar apenas naquilo que temos à nossa frente. Um teste, um desenho, um cozinhado, qualquer coisa. Concentrar toda a nossa atenção, que nem um laser, e direcioná-la para outra coisa qualquer. Isso é concentração.
Uns nascem capazes de ligar e desligar esses “sensores” como se de um interruptor se tratasse. Outros, como eu, vêem na necessidade de concentração máxima uma tragédia grega: quando canetas, papéis soltos ou até mesmo lavar a loiça parece maravilhoso em comparação com escrever esta crítica, alguma coisa não está (ou pior, não vai) a correr muito bem. Mas há esperança. Nós, o velejadores da lua, os cabeças no ar, vamos criando truques, defesas que nos ajudam a fazer as coisas com mais atenção. Uns deitam-se, outros isolam-se, mas sem dúvida que a resposta mais comum encontra-se na música. De auscultadores nos ouvidos, afastamos os pensamentos que não interessam e está feito: a partir daí corre tudo mais facilmente. Mas a escolha do que se ouve é determinante, essencial diria: entre vários estilos e géneros diferentes, um destaca-se, os instrumentais. Sons, sem voz, vindos de instrumentos bem tocados e criativos. Isso é o que se quer. Isso é o que faz falta. E é só mesmo isso que Dawn of Midi nos consegue dar no seu último álbum, Dysnomia. Entretenimento? Boa disposição? Alegria? Não… concentração. Só.
Aakaash Israni (baixo), Amino Belyamani (teclas) e Qasim Naqvi (percursão), formam o trio que dá vida a este enigmático Dysnomia. Antes de mais, deve ficar claro que a sua música é muito boa: com uma sonoridade muito particular mas, mesmo assim, muito boa. Ouvimos um género quase mutante, onde o minimal, a eletrónica e um ténue, muito ténue, cheiro de jazz se misturam para fazer aquilo que só posso comparar a um metrónomo sonoro. Ritmos muito pesados, robustos, pautam a música de DoM, fazendo da primeira audição um exercício difícil. Marteladas rítmicas vão se conjugando com laivos mais soltos. Temos sempre dois instrumentos presos num ritmo insistente, enquanto o terceiro vai, modestamente, dando asas à imaginação. É sem dúvida um estilo singular, sem grandes comparações possíveis com outros artistas. São únicos.
Não há maneira muito fidedigna de falar das músicas deste álbum individualmente porque todas as nove faixas acabam por ser extensões delas mesmas, ou seja, fundem-se de tal forma que ficam quase numa só. Por isso mesmo parece-me mais preciso caracterizar o disco como um todo, onde temos um início muito duro, rígido, que aos poucos e subtilmente acaba por se ir tornando mais melodioso. Regra geral, isto não é mau, é limitado.
Neste preciso momento estou a ouvir o álbum, vou na faixa oito, “Algol”. Quase sem me aperceber já estou no fim deste texto e, de uma maneira ainda mais surpreendente, consegui escrevê-lo sem interrupções parvas e desconexas. Tenho a certeza que foi por estar a ouvir Dysnomia. Não dancei, não cantarolei, nem me pus a sonhar mas, como uma máquina, fui debitando palavra atrás de palavra, ritmadamente, e sem parar. Estão a ver aqueles soldados que tocam tambor enquanto os pelotões marcham em sentido? Pois é esse efeito que sinto ao ouvir DoM: a sua música pauta o ritmo do nosso corpo, não o contagia.
Boa música têm de ser completa, multifacetada, um festival para o intelecto e os sentidos. Dysnomia marca passo, mas pouco mais que isso.