Eu tenho um primo que tem um ouvido ditador. Dois, peço desculpa, dois ditadores, um de direita e outro de esquerda. Ambos têm em comum o seguinte: não aceitam apresentações musicais. Mas o primo, por seu lado, adora dar artistas a conhecer. A prima agradece, já descobriu grandes malhas, desde Beck a este John. Mas se eu lhe disser “ah e tal tens de ouvir o nãoseiquantinhas que lançou agora um álbum”, ele não ouve. Se ouvir na rádio e gostar então está bem, senão vão ouvi-lo a chamar o Patrick Watson de Pato Donald, o que é um verdadeiro ultraje.
Primo de ouvidos ditadores ouviu este John na rádio enquanto emitiam ao vivo o primeiro concerto dele em Portugal, na Ilha do Ermal, nos idos de 2005 (uma eternidade). Adorou e passou a palavra. A prima, de ouvido aguçado gostou bastante e prontificou-se a ouvir Sunrise Over Sea com especial atenção. Mas foi em 2010 que surgiu April Uprise, e durante uns meses não fui a mesma.
Antes de mais, correndo o risco de isto parecer uma cocabichinhice de gaja, o álbum é lindo. É de cartão (adoro) e vem com um livrinho com as letras das músicas. Sim, eu sou fã de boas letras, e o John nunca me falha. E em April Uprise as letras têm um tom revolucionário. Já no seu álbum anterior, Grand National, o cantor abandona o carácter mais tranquilo que Sunrise Over Sea transmite. Não quer dizer que este álbum não tenha umas músicas mais calmas, elas estão lá, como “I’d do anything”, “Take me” ou “Fool for You”. Mas, como o próprio nome do álbum indica, é altura de demonstrar como a música pode ser um veículo de reivindicação e John Butler começa aqui a envolver-se mais em defesa de vários temas, principalmente ecológicos e da sua terra natal, a Austrália. Refira-se que é nesta fase que John Butler corta as suas longas rastas, surgindo com um ar bem diferente do apresentado anteriormente.
O álbum começa com uma música que se chama “Revolution”, será preciso dizer mais alguma coisa? Sim, são The John Butler Trio = 3. Que sonoridade revolucionária com 3 tipos… tiveram umas ajudas na gravação do álbum, mas ver este álbum ao vivo com três músicos é de arrepiar. Nesta música, como em outras, o ouvinte é constantemente questionado e convidado a juntar-se a esta revolução contra os grandes capitais e os políticos: “Don’t you wonder when it’s all gonna stop? (…) When you think we’re gonna rise?”
A temática continua com “One Way Road” que começa com “They come & they take”, seguindo-se com uma miríade de possibilidades sobre who’s they? Numa sonoridade electrizante, mesmo que não estejamos de acordo com o que ele canta, temos vontade de nos rebelarmos só para cantar estas letras.
A música seguinte dá-nos algum descanso sobre a vontade de subir a escadaria da Assembleia da República entoando as letras revolucionárias anteriores, mas não diminui a vontade de levantar, fazer guitarradas imaginárias e esquecer a vergonha enquanto gritamos: “C’MON NOW!!!”
Em “Ragged Mile” o ritmo faz-nos querer marchar contra as adversidades do amor (“I will climb your mountains high”). Pronto, aqui a revolução é outra e acaba por ser uma música amorosa e não lamechas (tão raro!), com ritmo e que transmite tão simplesmente aquele cliché de que vamos estar lá aconteça o que acontecer.
Com tudo isto mal chegámos a meio do álbum, que conta com 15 músicas, e lembrei-me de um concerto que este senhor deu num Alive: o grupo (Nouvelle Vague) que ia tocar antes dele perdeu o avião e então não é que o John decidiu entrar em palco mais cedo e oferecer um concerto de 2h e tal, para meu deleite? E não é que a seguir o encontrámos no meio do público e ainda tirámos uma foto com ele? O primo de ouvidos ditadores ficou nas nuvens, e a prima também. O concerto foi tão bom, tão bom que a seguir deu Bob Dylan (respeito-o muito mas acho que entrou de andarilho) e nós fomos para casa ver o concerto que tinha ficado a gravar.
A meio do álbum, uma pérola: “Close to You”. É impossível não bater a perninha nesta música, quiçá, levantar o volume e levantar da cadeira. É mais um cliché – quero ficar juntinho a ti – mas transmitido de uma forma tough que dá virilidade à coisa. “Don’t Wanna See Your Face”, “To Look Like You”, “Steal It” e “Mistery Man” são boas músicas mas acabam por perder intensidade no meio de tanta coisa extraordinária. Em “Gonna be a Long Time” já recuperamos ali um lado quase reggae (já viram a capa do álbum?) que nos faz pensar no verão e em praia e não tanto num Abril revolucionário, vá…
O álbum despede-se com “A Star is Born” que parece uma espécie de Lullaby que fez para os filhos. É fofinha, mas depois de uma overdose de revolução, ainda por cima com Abril no nome, não estamos com vontade de dormir, não é verdade?