Vinte e cinco anos de carreira é de assinalar, e David Fonseca quis fazer uma grande festa, com três concertos de comemoração (um no Porto, dois em Lisboa).
Quem já viu vários concertos de David Fonseca (como esta que vos escreve) sabia o que esperar: não apenas um concerto mas um espetáculo, com performance, vídeo, adereços e luzes bem coordenadas. David Fonseca é um entertainer e não deixa nada ao acaso – além de todo o espetáculo envolvente, as canções são pop bem feita, com refrões orelhudos, palminhas, assobios, crescendos, para pôr toda a gente a dançar e cantar.
Munido de todas estas ferramentas, David Fonseca estava bem artilhado para um concerto especial. Mas também sabia para quem ia tocar e avançou com a opção de lugares sentados, para um público maioritariamente acima dos 40 anos, que o acompanha desde os Silence 4 (não foi por acaso que as músicas mais bem recebidas foram as da banda, que se vai reunir em 2025, como ele aproveitou para lembrar). E esta terá sido a maior falha para o envolvimento com os espectadores – embora as costas desta jovem de 41 anos agradeçam a cortesia.
Sentados estávamos quando David Fonseca abriu as hostilidades, apresentando-se em palco sem se apresentar em palco: uma tela projetava vídeo do artista nos bastidores, a receber uma chamada num telefone antigo anunciando o início do espectáculo, o que o levou a agarrar numa viola e, aí mesmo, arrancar com “Superstars II”. Uma boa e original forma de começar, embora a versão acústica da música lhe tenha tirado um pouco a pujança.
A partir daí avançou com “Our Hearts Will Beat as One” com intro de “Modern Love” de David Bowie, “Chama-me que eu vou” e “Chasing the Light”. O público, por enquanto, permanecia morno e sentado. Só quando David Fonseca começou a conversar, o que costuma habitualmente fazer nos seus concertos, contando histórias que explicam as canções e a narrativa do espectáculo, é que quem o ouvia se começou a sentir de facto envolvido.
A partir daí, foi avançando, aproveitando bem a tela que se apresentava a meio do palco a projetar vídeo: fossem videoclips, um excerto do poema de Eugénio de Andrade “É urgente o amor” (o que nos fez esperar que A Garota Não aparecesse – não apareceu, mas teria sido um momento alto, fica a dica para a próxima), imagens várias ou até o próprio David em chroma.
Quando se lançou para “Kiss Me, oh Kiss Me” o público teve finalmente a reação que se esperava desde o início, levantando-se e cantando a música toda do início ao fim, para depois se sentar novamente.
Do alinhamento destacam-se alguns temas incontornáveis como “A Cry for love”, “Futuro Eu” (com uma versão de Kate Bush de “Running Up That Hill”, intercalando a presença em palco com o contraluz atrás do ecrã montado, seguindo para “This Raging Light”, excelente e dançável canção do disco Dream in Colour (2007) mas que, infelizmente, não pegou como esperado, provavelmente por não ser das mais conhecidas do disco.
A mão foi rapidamente emendada, avançando para o tributo a Variações com “O Corpo é que Paga”, do seu projeto Humanos, e a aguardada “Borrow”, dos Silence 4, a levar a sala ao delírio (passando também por “The 80’s” mais tarde, contando que se inspirou numa rapariga que dançava sozinha sem parar no Plateau, discoteca mítica para aquela faixa etária que ali se encontrava sentada).
Ao meu lado, outra escriba do Altamont comentava que “Borrow” era a “Dunas” do David Fonseca – três acordes, todos cantam, o público enlouquece. David pareceu ter ouvido e gozou consigo próprio: antes da canção seguinte passou um tutorial de Youtube sobre como tocar “Borrow” na guitarra, num dos melhores momentos da noite, apenas equiparável à utilização de memes de gatinhos já quase no fim.
Renunciando ao encore – David Fonseca afirma que em vez de sair e voltar num encore programado, seguiria já com o concerto – tocou então “The 80’s”, tocando de seguida quatro pequenos trechos de músicas novas, dentro do frigorífico da Cláudia Pascoal, que o acompanhou na voz (parece estranho? É que foi mesmo), parte do concerto que, quanto a mim, teria sido dispensável para acrescentar mais uma música do repertório do artista – ficou a faltar, por exemplo, “Rocket Man” ou “Silent Void”.
Já mesmo a fechar, depois de passar as duas horas de concerto, ainda se lançou em mais versões: “Let’s Stick Together” (Bryan Ferry) e “Together in Electric Dreams” / “A Little Respect”, esta presente também em Silence becomes it. A fechar, “What life is For” com Elvis e “Can’t Help Falling In Love”, culminando o concerto de forma apoteótica e ainda deixando lá atrás, no ecrã, um campo de girassóis e “Such a Perfect Day”, do enorme Lou Reed, enquanto se despedia, abraçado à banda.
Foi um concerto completo, bem pensado, com o alinhamento bem estruturado, aliando o seu amor à música e às versões (embora o concerto sentado tenha tirado alguma emoção). Foi uma viagem ao passado, bem conduzida, alegre e sem melancolia, recordando e associando canções a alguns momentos, tristes ou felizes. E não é esse despertar de emoções que se quer de um concerto?
Fotografias: Hugo Amaral

























