À primeira escuta, I Love People, o quarto e mais recente álbum de Cory Hanson, parece-nos introspectivo, de tons melancólicos, adocicados e suaves, mas com umas guitarras que remetem a um rock mais clássico. À segunda escuta, começamos a prestar atenção às letras e percebemos que afinal “algo está podre no reino da Dinamarca” (Hamlet).
Mas, calma, não nos precipitemos. Cory Hanson é conhecido por ter uma visão perspicaz do mundo, proferindo letras cheias de sarcasmo e ironia, contrapondo com melodias fáceis de ouvir.
Com arranjos musicais que nos fazem lembrar a sonoridade das grandes bandas de rock dos anos 70, as letras puxam-nos para um reflexo da atualidade que chega a ser acutilante. A primeira faixa a ser divulgada “Bird on a Swing” (que também é a primeira música do álbum), marca bem esta espécie de dicotomia: melodia feliz, vários instrumentos, coro, de fácil escuta e depois a letra “No one can corrupt what they can’t get inside / No one’s gonna hurt what they can’t find / You may break your heart but you’ll still be alive / I’ll never have to feel what that is like”. Outro exemplo muito interessante é “Santa Claus is Coming to Town”, com uma melodia natalícia que faz lembrar as baladas de Tom Waits, mas cuja letra fala sobre o retorno de um soldado americano que volta a casa, polvilhando a música de pequenas violências e castigos (o oposto do Pai Natal).
Confessamos: ouvir este álbum fez-nos lembrar a “história” de quando o single “Lola”, dos Kinks, chegou a Portugal. Na altura, os miúdos ficaram malucos com esta grande malha, tocava muitas vezes nos bailes, sendo música perfeita para dançar agarradinhos, mas ninguém percebia o conteúdo da letra. Aliás, esta “história” (gostávamos muito que fosse verdade), reflete bem o nível de iliteracia e analfabetismo que havia em Portugal, nos anos 70. Mas adiante, o sentimento é o mesmo, ou seja, que achamos que estamos a ouvir determinada coisa e afinal o que compõe é bem mais sinistro do que a melodia fazia crer.
Há uma citação no Bandcamp de Cory Hanson que não resistimos a partilhar: “As ringmaster for a circus show of classic folk and rock tropes, Cory tugs at our heartstrings with expert misdirection, embracing tradition by throwing it out, into the wind”.
Os (quase) 38 minutos que compõem I Love People passam a correr, as músicas fluem como girinos na água e certamente é um álbum que tem camadas (e camadas) de significados que vale muito a pena descobrir (e descodificar).