“Ele perguntou-me: em que medida é que isso te
marcou? Eu pergunto-lhe:
Como se mede uma raiz?”
André Tecedeiro
Hoje, o meu irmão disse-me: “Tens de dar sempre uma segunda oportunidade a tudo”. Quando Pós-esmeralda surgiu na minha vida, soou-me excessivamente repetitivo, com uma voz difícil de simpatizar devido à sua agressividade e combatividade. Tal como o primeiro gole de cerveja, não é amor à primeira vista. Não sei se as músicas foram ficando melhores pelo hábito de as ouvir vindas do quarto do meu irmão e dos seus longos banhos ou se é realmente necessário ter ouvidos bem atentos para conseguir abraçar toda a beleza que este álbum nos traz. Assim como é necessário dar um segundo gole, é necessário escutar uma segunda vez.
Com um caráter intimista e experimental, new wave, post punk e art punk são géneros presentes nas canções rítmicas e dançáveis deste trio portuense, composto por Francisco Lima (voz), José Silva (teclas) e Raul Mendiratta (sintetizadores).
Composto durante a pandemia de COVID-19, Pós-esmeralda retrata o pânico que dela adveio, mas também um certo otimismo em relação ao pós-confinamento. O título, segundo o teclista José Silva, significa “o que vem a seguir ao azul”, sendo que “azul” tem a mesma conotação que a expressão inglesa “feeling blue” (sentir-se deprimido).
É impossível sentirmo-nos indiferentes depois de ouvir este disco. De forma repetitiva, as letras melancólicas, juntamente com os sintetizadores, hipnotizam-nos, deixando-nos num transe, onde o nosso coração bate aceleradamente, o nosso corpo contorce-se e a nossa alma relembra-se das suas dores mais íntimas, aquelas que havíamos jurado que já não existiam. Perante esta quase epilepsia, o tempo passa sem nos apercebermos e somos embalados num conforto que desejamos não ter fim. Porém, Conferência Inferno não nos oferece uma cama com lençóis de flanela com cheiro a alfazema, mas sim uma almofada insuportavelmente quente numa noite de verão, um berro no ouvido mesmo no segundo em que iríamos adormecer, um colchão que não permite às nossas costas descansarem, desgastando-as.
Todas as oito faixas de Pós-esmeralda são um reflexo da sua capa: abstratas, nostálgicas, vivas, desalinhadas e coloridas, onde a paixão, o perigo e o calor do vermelho são predominantes. Depois de “Cowboy Bêbado” e “Auto-Pânico”, as duas músicas mais agressivas, somos empurrados a prestar atenção à nossa sensibilidade e fragilidade, durante dez minutos. Os primeiros quatro devem-se a “Realidades”, onde descansamos da voz um tanto violenta de Francisco Lima e somos levados a analisar os nossos arrependimentos, frustrações, desejos e medos. Se os seis minutos seguintes fossem os meus últimos em Terra, passá-los-ia a ouvir “Fantasias”. Começando de forma lenta, vamos sendo conduzidos para um devaneio sensual e noturno. Quando a nossa consciência já está totalmente alterada, paramos para uma introspecção. Somos transportados para uma viagem que sabe a despedida agridoce. E, como tudo o que chega ao fim, é doloroso e angustiante. “Tudo é tão passageiro, a vida é uma constante despedida” foi o meu melancólico pensamento enquanto sobrevoava a ilha de São Tomé e Príncipe e “Fantasias” ressoava nos meus ouvidos.
Referindo-se ao álbum Independança, dos GNR, os Conferência Inferno revelam que “esse foi dos álbuns mais importantes para a nossa formação e composição de algumas músicas”. Efetivamente, pode-se encontrar o sotaque portuense de Rui Reininho na voz de Francisco Lima. A loucura e o desvario experimental de “Avarias” verifica-se em “Pigmento”, a faixa mais longa que a banda apresentou até agora. Ao contrário dos 25 minutos da música dos GNR, que passam lentos, desgastando e avariando a nossa concentração, os dez minutos de “Pigmento” acontecem sem darmos conta.
“Distopia” encerra o disco, deixando-nos com um fim de boca (neste caso, de ouvidos) esperançoso. Encoraja-nos a encarar as despedidas com menos melancolia, pois estas são a prova de que vivemos algo bonito, algo que chega a um fim, abandonando-nos e tornando-nos vítimas da saudade. Mas não será a saudade a vitamina principal que nos dá ganas de viver? A última música do álbum não nos oferece a isenção da angústia, apenas nos relembra que “somos todos corpos” e, como tal, nunca estamos sozinhos na nossa própria dor. Por isso, a solução será dançar. Dançar até tudo, eventualmente, se resolver.
Como Manuel António Pina escreveu :
“Ainda não é o fim
nem o princípio do mundo calma
é apenas um pouco tarde”.