O mestre da guitarra portuguesa, único e incomparável, deixou-nos um movimento que é, efectivamente, perpétuo.
A história de Carlos Paredes é bem conhecida, ainda por aí à solta na internet e nos livros, à mão de quem quiser a agarrar, pelo que não me vou alongar muito nesse lado mais factual da vida do senhor. Comunista da parte da mãe, exímio praticante de guitarra por parte do pai, eis o caldinho em que se formou Paredes. Nascido em Coimbra mas desde cedo (9 anos) vivendo na capital, não foi além do primeiro ano do curso Industrial no Técnico. Tornou-se arquivista de fotografias no Hospital São José, onde um colega o denunciou como sendo militante do Partido Comunista, o que o levou a passar ano e meio em Caxias a inventar músicas na sua cabeça. Em 1962 começa a sua aventura musical, editando um EP e contribuindo de forma contundente para o êxito de “Verdes Anos”, filme de Paulo Rocha, de 1963. Em 1967 é lançado o clássico imbatível da música portuguesa Guitarra Portuguesa, tão bem descrito nas palavras do escriba Ricardo Romano.
Movimento Perpétuo, lançado quatro anos depois, estará ao nível de Guitarra Portuguesa, eis a grande questão. Não tendo no seu alinhamento uma canção tão impactante como “Verdes Anos”, mantém a beleza dos dedilhados adornados, da melancolia profundamente portuguesa, para além de contar com temas de outro filme de Paulo Rocha, “Mudar de Vida” (1966). “Movimento Perpétuo” canção, que dá nome ao disco, é sublime no virtuosismo que Paredes consegue demonstrar na execução, ao passo que “Valsa”, conquista pela delicadeza do entrecortar de guitarras (na outra está um tal de Fernando Alvim) a diferentes velocidades, a diferentes ritmos, em diferentes compassos. Consegue, sem palavras, mexer com as nossas emoções mais profundas.
Carlos Paredes sempre foi também um profundo admirador e integrador das danças e canções populares portuguesas, e aqui demonstra-o com “Danças Portuguesas nº2” e “Variações sob uma dança popular”, inventivas na deambulação pelo folclore lusitano. Mesmo sendo um comunista assumido, foi utilizado pelo regime para vender Portugal lá fora nalgumas ocasiões, até porque não usava palavras e umas meras doze cordas não chegariam para expressar resistência ao regime. Depois do 25 de Abril foi colocado ao lado dos artistas mais relevantes, e engajados à esquerda, daquela geração: Zeca, Adriano, Godinho, Zé Mário, Fausto, Vitorino como heróis na luta pela libertação. Afinal as cordas sempre deram alguma luta.