Na passada quarta-feira, assistimos a mais um concerto do ciclo “Conta-me Uma Canção”, desta vez estiveram em palco Sérgio Godinho e uma das suas descendentes musicais, Capicua, uma noite de momentos inesquecíveis.
Sempre que penso no Sérgio Godinho e na Capicua imagino que poderiam ser pai e filha, não pelas suas parecenças físicas, mas pelas suas afinidades artísticas, mesmo que musicalmente distantes. Talvez pela cadência das palavras, meio cantadas, meio ditas; talvez pelos temas das suas canções: a antiga e a moderna música de intervenção; ou talvez por ambos serem da cidade do Porto.
A sala encontrava-se pomposamente esgotada e noite começou com “Parto sem Dor” canção de Capicua que junta os dois artistas, a canção utiliza o sampler do tema de Godinho com o mesmo nome, mas desta vez o trecho passou a dueto.
Mais à frente, as canções deram a vez às histórias, sempre com algum receio por parte de Capicua, não habituada a este formato de conversa-concerto, em se alargar demasiado no diálogo, mas sempre descansada por o seu companheiro em palco, já habituado ao modelo e um contador de histórias extraordinário.
Depois de mais algumas canções e regressados à conversa, Godinho confidencia que já o apelidaram de rapper, uma das afinidades entre os dois, muito à conta do compasso de palavras, quase a roçar uma lengalenga, como validado por Capicua.
Outras canções se seguiram “Medo do Medo”, do primeiro disco de Capicua, “Grão da Mesma Mó” um original de Godinho e David Fonseca. Então, a conversa verteu para as canções que ambos os escritores compõem para outros artistas, e nessa altura Sérgio Godinho e Nuno Rafael presentearam- nos com algumas estrofes de “Tudo no Amor” dos Clã e Godinho.
Uma das “regras” do formato de “Conta-me Uma Canção” é interpretar uma canção do músico com quem se partilha o palco, Godinho cantou imaculadamente “O Pequeno Ditador” do projecto Mão Verde de Capicua, nessa altura aproveitou-se para falar dos Amigos de Gaspar e na sua recente exibição no Cinema Batalha que pôs vários a chorar (e quem os pode julgar). Capicua por sua vez protagonizou um dos momentos da noite quando interpretou a sua versão de “Que Força É Essa” com uma letra adaptada à exploração das mulheres no trabalho doméstico.
E partir daí todos os instantes foram marcantes, desde a versão de “Os Vampiros” de José Afonso, passando por “O Elixir da Eterna Juventude” que antecedeu o encore, e culminando na canção “Liberdade” de Sérgio Godinho que, como já é habitual, fez com as palavras de ordem do refrão fossem proferidas em uníssono pela plateia que visivelmente anseia “a paz, o pão, habitação, saúde, educação”.
O “Conta-me uma Canção” tem o encanto de nos fazer viver momentos privilegiados, poder ver e ouvir o grande Sérgio Godinho e a sua herdeira das canções, Capicua, grava-nos na memória acontecimentos irrepetíveis da música portuguesa.
Fotografias: Beatriz Marques






