Isaac Hayes foi um homem de muitos talentos, e de grandes causas. Músico até à medula, assim que começou a ter sucesso dirigiu a sua arte para a intervenção social, enquanto homem negro numa América na qual a segregação legal havia caído mas que continuava altamente discriminatória.
Hayes nunca escondeu o seu activismo, patente, por exemplo, no seu magnífico disco de 1971, não inocentemente intitulado Black Moses.
Também de 1971 é o disco mais conhecido de Hayes, a banda sonora do filme Shaft. Este, que se tornou o LP mais vendido da história da editora Stax, é famoso pelo tema-título instrumental, mas foi também nesse disco que o músico gravou “Soulsville”, a nossa canção do dia. Ao contrário da Motown, que apesar de ser o maior veículo para a música negra norte-americana sempre procurou mais o entretenimento que a acção política, a Stax dava mais liberdade aos seus artistas. Era o veículo perfeito para o “Cristiano Ronaldo” da editora, cuja carreira se fez entre a canção manifesto político e a soul/funk de cariz quase sexual, fazendo o romântico Barry White parecer um menino de coro.
“Soulsville” é o exemplo perfeito da acção política de Isaac Hayes. O nome da música é o nome imaginário dado a qualquer subúrbio negro, e uma paródia à “Hitsville USA”, nome dado à sede da rival Motown, na segregada e empobrecida cidade de Detroit. O tema descreve a vida nesse subúrbio, com as suas várias personagens e os seus problemas: desde as pessoas honestas mas que não têm trabalho, perspectivas ou dinheiro, passando pelos pequenos e grandes gangsters que vivem do crime, até aos “irmãos” que se entregam às drogas procurando fugir da realidade. Tudo isto feito com a mestria e extraordinária musicalidade que era o grande dom de Hayes.
Num momento em que o rapper Kendrick Lamar edita, em 2015, um disco carregado de mensagem racial, é sempre bom voltar a uma das origens da canção social, pela mão de um dos grandes mestres, Isaac Hayes.
