Regressemos a Maio de 1972, algures em São Paulo, Brasil. Os Mutantes, de forma quase camaleónica, decidem abraçar o seu lado mais progressivo ao lançarem o seu quinto álbum, Mutantes e os seus Cometas no País dos Baurets. O disco torna-se num autêntico laboratório: várias pipetas com elementos dos mais variados géneros musicais são misturados com substâncias exóticas da tropicália. Entre progressões dos Yes, passando por riffs à Black Sabbath e rockabilly à moda de Bill Haley, até à funk e soul tropical – influenciada pela companhia de Tim Maia. Tal influência de Maia está saliente logo no título: o artista soul brasileiro usava a gíria “Baurets” para designar seus cigarros de maconha. Valeu tudo.
Entre esquizofrenias sonoras e a maconha, ou a LSD alegadamente – e excessivamente – consumida durante as gravações, a segunda canção do lado B destaca-se pela sua agressividade. “A Hora e a Vez do Cabelo Nascer”, tal como o título implica, é um canção de acordar. Acordar por uma nação que estava adormecida desde 1964, ano em que a infame ditadura militar brasileira começou.
A ditadura militar, na altura liderada pelo general Emílio Garrastazu Médici, sufocava grande parte do movimento tropicalista – como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque ou Milton Nascimento. Apesar de possuírem uma aparência menos folk que os já mencionados, os Mutantes também sofreram pelas mãos da censura – especialmente nesta canção de rebelião. O lápis azul não aprovou o título original, “Cabeludo Patriota”, nem dois trechos do tema: “Meu cabelo é verde e azul”, referentes às cores da bandeira brasileira, e “A minha caspa é de purpurina”, que foi censurada apenas por ser “plasticamente feia”. Como é que o conjunto brasileiro reverteu a censura? O título foi mudado e os trechos foram encobertos por barulhos estranhos de Arnaldo Baptista, vocalista da banda, a tossir (minuto 0:57 e 1:47).
Uma canção de protesto que, caso fosse escutada nos dias de hoje, quase poderia ser considerada stoner rock tropical. Até os Sepultura fizeram uma versão.