Lenço Enxuto é uma canção de Samuel Úria, esse conservador tondelense e protestante da nossa praça. Úria é um compositor de suprema mestria, profundo conhecedor da língua portuguesa e dono de uma criatividade invulgar na utilização de trocadilhos e jogos de palavras, bem como no ritmo com que canta as suas frases.
Lenço Enxuto é um dueto, com Manuel Cruz, que pisca o olho às baladas ouvidas num qualquer bar americano (em bom) – ainda que a dado momento irrompa do nada um instrumental megalómano (novamente: em bom). A canção discorre sobre a identidade de género: o que é, afinal, essa coisa de ser homem e mulher. O perspicaz (os críticos apontar-lhe-ão conservadorismo incurável ou, sendo imbecis, machismo) Úria resolve esse ancestral enigma com versos belíssimos, como «Empresta-me esse efeminado luto/Ser masculino é ter sempre o lenço enxuto»; «Não nasci pedra, nasci rapaz/Que um homem só não chora por não ser capaz» ou «Tu és corrente, eu finjo mar/Que o homem para que chore não pode chorar»