As composições de Dev Hynes brilham numa homenagem à mãe e numa revisitação da sua infância.
Dev Hynes é um músico que não foge à exposição nas suas composições. Sob a capa de Blood Orange transmite-nos o seu sofrimento, a sua esperança, a sua ansiedade. Fá-lo com letras bem esculpidas e directas; com pacotes visuais bem trabalhados mas acima de tudo fá-lo com instrumentais e melodias excepcionais que fazem dele um dos mais entusiasmantes músicos pop do século.
Essex Honey – um disco em que aborda o seu crescimento em Essex, no Reino Unido – é um disco fragmentado, com falsos arranques, ideias abandonadas a meio e interlúdios desconexos, tal como as memórias que temos da nossa infância. Lembramo-nos perfeitamente do primeiro dia em que a nossa mãe nos levou à escola e levou o seu casaco beige, mas fazendo bem as contas, esse casaco só entrou na nossa vida muitos anos depois. A memória tem tanto de natural como de construção e este disco transmite esse sentimento perfeitamente.
“The Field”, magnífico single, é, ao mesmo tempo, pastoral e litoral. Consegue invocar verão e chuva, dias cinzentos e sol, diversão e nostalgia. Tem uma caixa de ritmo acelerada, um motivo de guitarra acústica simples e coros tremendos. E apesar de Hynes estar quase ausente da faixa a nível vocal, a sua impressão digital está presente nas vozes de Caroline Polacheck, Tariq Al-Sabir e Daniel Caesar.
“Mind Loaded” volta a contar com Polacheck, mas também com Lorde e Mustafa e é desoladora, com um arranjo de cordas que faria Brian Wilson invejar a criatividade de Hynes (tal como Prince deve ter odiado não ter sido ele a compor “Time Will Tell”, do disco Cupid Deluxe).
E a tristeza assombrosa que permeia este álbum tem um ascendente: Essex é o local onde Dev, um miúdo queer e negro a viver num ambiente algo conservador em Inglaterra. E também a cidade em que a sua mãe morreu, em 2023. “Sitting in the dusk of the room you fell/ Asleep, anyway/ Time has made it seem we can talk/ But then they took you away”, canta-lhe Hynes na canção “The Last of England”, dando a impressão de ter ficado sozinho neste mundo.
No final de “Vivid Lights”, ouve-se a escritora Zadie Smith cantar “I don’t wanna be here alone / Oh, I wanna run away / I think I might just stay”. Dev Hynes não quer estar sozinho e chamou quase duas dezenas de convidados para o acompanhar neste Essex Honey. Sejamos outros tantos milhares a fazer-lhe companhia de auscultadores nos ouvidos.