Forever, Howlong, ou como quarenta e sete heterónimos do Fernando Pessoa decidiram tocar incessantemente riffs complicados em compassos irregulares durante quase uma hora completa.
Os pop eruditos e o espalhafato técnico. A música pop é um idoso abeto com ramos que nunca mais acabam. Pop rock, indie pop, techno pop, jazz pop, chamber pop… Todos tão diferentes e todos ligados pela mesma seiva. A
acessibilidade. Às vezes um pouco mais pontiagudos, às vezes um pouco mais crus, às vezes um pouco mais longos, mas, no final, acabam todos por escorregar sem grande esforço. Ora, os Black Country, New Road, provavelmente a usar totebags com piadas políticas de um qualquer artista norueguês, enquanto acabavam de enrolar uma ganza à porta do Honest Greens, acharam que isto eram um monte de tretas de avô conservador agarrado ao seu Rubber Soul. Por isso, meteram-se no estúdio, que nem cientistas malucos a salivar da boca, e de lá saíram com este Forever, Howlong: um verdadeiro frankenstein.
Quer dizer, a missão de que estes jovens britânicos se incumbiram é, no mínimo, ambiciosa: levar a cabo uma desenfreada complexidade técnica, enquanto, acrobaticamente, tentar manter a fácil ingestão do pop. Obviamente que se depreende a procura por um som completamente novo. E conseguiram-no. Nada soa como isto. Só que, da originalidade, nem sempre provém a qualidade.
Pronto, já devem estar a perceber para onde é que isto vai dar… Por isso, antes de passar para a severidade sem dó nem piedade, deixo claro que a originalidade é mesmo o que, para mim, se tira deste projeto. A criação de composições com a complexidade refinada da música clássica e o ar jovial da música pop é um feito inédito. Aí, os meus parabéns. Mas esse ar jovial – acabaram-se as cordialidades – é mesmo só ar. Porque não consegue disfarçar a complexidade técnica, sendo franco, difícil de acompanhar em cada música. A acessibilidade revela-se apenas uma claridade ténue, feita de doces vozes e alguns ambientes agradáveis, no meio de uma serra de labirínticas montanhas onde acordes saltitam de um lado para o outro alegremente e os instrumentos parecem deambular sem direção em vista.
Na banda são todos músicos formados e, pior ainda, com enorme talento, por isso, complexificar deve ser uma enorme tentação. Tanto o seu primeiro como o segundo álbum de estúdio tinham já o seu quê de progressivo, embora For The First Time seja mais rock e Ants From Up There mais rococó. Contudo, a progressividade – isto é, instrumentação arrojada e tecnicamente ambiciosa – é doseada e a música consegue respirar nestes dois álbuns. Ao contrário do que acontece em Forever Howlong, onde parece que os quarenta e sete heterónimos do Fernando Pessoa decidiram tocar incessantemente riffs complicados em compassos irregulares durante quase uma hora completa.
Talvez esteja a agarrar o meu Rubber Soul com demasiada força. E não censuro quem, neste momento, me esteja a tomar por retrógado e quadradão. Mas a verdade é que ainda acredito em quem aprecie as convulsões melódicas de Forever, Howlong, porque admito que haja neste álbum, no meio de toda a confusão, momentos de uma estranha beleza – principalmente nas duas últimas músicas, que poderão vir a servir de boas companhias para tardes indie à varanda para quem precise mais do que o Lou Reed e os seus míseros três acordes. Devo também apontar que “Besties” e “Happy Birthday” são os temas que mais tolero – gostar seria um bocado forte -, porque são os únicos onde encontro um fio, apesar de muito delgadinho, pelo qual me consigo guiar minimamente durante a música.
Bom, acho que já perceberam que não gostei muito do álbum. Desgosta-me muito isto… não pensem que escrevo estas coisas odiosas com um sorriso na cara. Esta é uma banda que sigo com grande estima desde o ano imémore de 2021, por isso, devem deduzir o meu entusiasmo com a notícia de que viria aí novo álbum. Acontece. Fico à espera do próximo.