Na passada sexta-feira fechámos os olhos e abrimos o sorriso. Viajámos na espiral psicadélica, matámos um bocado das saudades que tínhamos dos Asimov e reforçámos a nossa esperança no underground musical nacional.
Sexta-feira à noite. No mundo normalizado a horda fecha as portas dos edifícios burocráticos para abrir as das salas de recreio! Enquanto isso, alguns irredutíveis procuram as últimas casas de pasto por gentrificar a fim de se abastecerem para a viagem de olhos fechados organizada pela promotora Ride the Snake no Village Underground.
Aos comandos, duas das mais fabulosas tripulações do psicadelismo pesado que se vai fazendo no nosso país. Durante quase duas horas, Asimov e Moloch assumem o papel de nutrir cérebros e sentidos!
A abrir a noite, os Moloch fazem-nos viajar pelos cenários contemporâneos das mais variadas correntes alternativas do rock, do metal e até do punk, sempre com um pendente muito forte na ambiência instrumental psicadélica. Aos nossos ouvidos vão ocorrendo várias referências, por vezes mais claras do que outras, mas sempre das melhores colheitas. Ainda assim, os Moloch conseguem integrar tais referências de uma forma muito caracterizada e original sem nunca cair no buraco negro do pastiche.
A sólida secção rítmica alicerça ao longo de todo o concerto as divagações da guitarra e dos sintetizadores que vão sendo enriquecidas por esparsos apontamentos vocais intensos e muito interessantes.
Os Moloch mostraram-nos o quão o seu som tem evoluído desde a edição do seu único registo discográfico Betta Splendens em 2017, deixando-nos a salivar pela prometida edição do próximo EP durante 2023.
Depois de uma breve pausa para os viajantes, que quase enchem a sala, possam esticar as pernas, reabrir os olhos e reabastecer, os Asimov lançam as turbinas na potência máxima da batida inicial de “Aerogramas” (de Stenar Music) e, novamente de olhos fechados, viajamos pelas paisagens tribais de um psique de referências “setentistas” que aquece a alma mais gelada. Enquanto a bateria de João Arsénio alterna entre uma aceleração devastadora e uma calma intensa que faz vibrar os instrumentos deixados pelos Moloch na plataforma ao lado do palco, o baixo de Rodrigo Vaz vai-nos fazendo pairar na sua turbulência. Depois disto, é só seguir o feitiço da guitarra e da voz de Carlos Ferreira. O ritual prossegue com a Sabbathiana “Golden Within” (de Dialects), cuja espiral de riffs iniciada em Birmingham nos transporta para espaços mais siderais.
E é aí que ficamos para as versões a trio de duas das faixas do belo Flowers – “People of the Mountain Sermon” e “Shadows of Summer”, onde os Asimov parecem querer fundir o psique com um género novo: stargaze? Dreamrock? …
É tempo de voltar deixar a bateria atingir a potência máxima, e de a reboque de “Beyond Sunset” passear pelas espirais desenhadas pela riffaria debitada à desgarrada pela guitarra e pelo baixo e colorida pelas vozes.
Depois de aterrar, ninguém arredou pé tão cedo da esplanada do Village Underground. Havia que digerir e partilhar as experiências que cada um viveu na sua viagem.