Quem teve a sorte de descer ao Sabotage na noite de sexta-feira viu um concerto muito especial dos Asimov. A cerimónia xamã foi arrepiante; mas purificadora.
“Mas vocês não eram só dois?”- alguém perguntou. “Tivemos filhos”- respondeu o frontman Carlos Ferreira, aludindo ao baixo, violoncelo e segunda guitarra que integram agora esta formação alargada. E como estão a acabar as gravações do novo álbum, cujo lançamento está previsto para o Outono, foi Flowers que dominou o alinhamento, tocado na íntegra para nos mitigar um pouco da ansiedade de espera.
A matriz stoner continua lá: riffs arrastados, repetidos obsessivamente por Carlos e Peter Wood, deixando atrás de si um lastro espesso de grão fuzz. Mas agora o espírito é mais primitivo e tribal: a bateria de João Arsénio evoca o transe de batuques índios, as escalas pentatónicas espalham exotismo, e tudo é pintado com o negrume ancestral de um sacrifício pagão. Tudo, não. O violoncelo de Joana Guerra irradia uma luz branca, em permanente luta contra a escuridão das demais texturas. Habitualmente perde a luta, soterrada na avalanche das guitarras. Mas logo que encontra uma nesga, o violoncelo pinta tudo com a sua luz alva e pura, enchendo-nos de uma inesperada serenidade.
Não estava previsto qualquer encore, mas o público, de forquilhas e archotes em riste, não lhes deixou outra alternativa. Ainda bem. Foi maravilhoso o tema final, apesar de nada ter a ver com o stoner étnico (de travo escandinavo) que dominou o alinhamento. O registo era bluesy, com um groove brincalhão, onde todos os instrumentos puderam brincar na areia, cada um para seu lado, até se juntarem numa apoteose final.
A cerimónia xamã foi arrepiante; mas purificadora.
Fotografia: Pedro Roque
Alinhamento:
People of the Mountain Sermon
The Seeker
Until the Morning Comes
Shadows of Summer- the Curtain
May Forever Be Today
Shaman Sacrifice
The Merchant
The Healer
Encore
Head Phoenix