O “primeiro” disco dos American Pleasure Club transmite beleza na sua fealdade, retratando a paranóia e a depressão que estiveram na sua génese.
Nas palavras do próprio Sam Ray, Fucking Bliss é o seu “disco de suicídio”, escrito na primavera de 2015, num turbilhão febril proporcionado por uma relação tóxica na qual o músico se viu envolvido. Originalmente planeado como o primeiro disco dos ainda-por-nomear American Pleasure Club, o álbum foi, no entanto, adiado indefinidamente devido à sua sonoridade abrasiva, ficando a estreia do grupo a cargo do acústico i blew on a dandelion and the whole world disappeared no final de 2017.
Aos primeiros segundos de “The Miserable Vision” percebemos o que motivou esta decisão: uma voz feminina desabrocha gélida de uma base de piano glitch e uma guitarra acústica fantasmagórica. Quando o ouvinte começa finalmente a aclimatar-se à canção esta dissolve-se num oceano de cacofonia indicando que este disco é muito diferente daquilo a que Ray habituou o seu público. “What Kind of Love?”, o primeiro single do álbum, é uma avalanche sonora em câmera lenta. A bateria explosiva e camadas de feedback fazem despertar esta marcha fúnebre nunca deixando transparecer a estrutura simples da canção. Este jogo de contrastes forma o coração de trevas deste disco.
Existem, no entanto, momentos de genuína beleza. “Hello Grace” flutua sobre um coro de vozes incorpóreas e brincalhonas, distraindo-nos nas suas tesselações e garantindo que cada escuta revela uma faceta diferente da sua composição. “Faith”, a carta de despedida do álbum, é a gravação de um exorcismo. A guitarra acústica assombrada é o único instrumentos a acompanhar os vocais ofuscados pelo auto-tune, ferramenta que é usada de forma comovente em “Dragged Around the Lawn”. O piano lo-fi e a percussão minimalista permitiriam à música caber sem grandes problemas num disco de Ricky Eat Acid, outro dos inúmeros projetos de Sam Ray. Esta canção é talvez a mais eficaz a transmitir o sentimento de isolamento e dissociação do disco.
Fucking Bliss é um disco curto e as constantes tentativas de ofuscar os vocais, tornando-os apenas um instrumento musical, faz com que a mensagem nem sempre seja clara, deixando-nos um conjunto de instrumentais bem conseguidos mas que perdem a força sem o contexto fornecido pelas letras. É fácil perceber o porquê da banda ter adiado o seu lançamento para uma altura em que a banda tivesse uma maior projeção. Agora que os American Pleasure Club já garantiram o seu pequeno lugar no grande mundo do rock alternativo, Fucking Bliss pode ser digerido e recontextualizado mais facilmente.