Altamont x Doclisboa Heart Beat | Duran Duran: Unstaged
Uma banda de enorme sucesso, favorita de um realizador incomum. Uma sala repleta de público entusiasmado. Aqui estão, em síntese, os principais ingredientes para “Duran Duran: Unstaged”.
A morte de David Lynch, em janeiro deste ano, aos 78 anos, privou-nos de ver continuada uma obra cinematográfica estranha, surrealista, excessiva, mas muito personalizada. Realizador multipremiado, sobretudo na Europa, músico, argumentista e até ator, vamos sempre lembrar-nos dele por filmes como “O Homem-Elefante” (1980), “Dune” (1984), “Veludo Azul” (1986), “Um Coração Selvagem” (1990), “Twin Peaks – Fire Walk With Me” (1992, depois do êxito que fora a série), “Lost Highway” (1997) e ainda “Mulholland Drive” (2001).
No entanto, podemos sempre revisitar o seu trabalho, como é o caso deste “Duran Duran: Unstaged”, que o Doclisboa nos devolve diretamente de março de 2011. Voz e imagem do próprio Lynch são uma espécie de anúncio prometedor para o que aí vem: uma imparável viagem, filmada sobretudo a preto e branco, mas com diversos borrões de cores quentes (amarelos e vermelhos mais do que quaisquer outras), muitos efeitos e câmaras que, oscilando entre grandes planos e planos gerais de forma constante, criam uma dinâmica irrequieta de enorme eficácia.
No palco, sob a liderança do carismático vocalista Simon Le Bon, tocam outros três, incluindo a dupla que criou o grupo de new wave em Birmingham (1978) – neste caso, Nick Rhodes (teclas) e John Taylor (baixo), além de Roger Taylor (bateria). Contam ainda com a guitarra de Dom Brown, o saxofone de Simon Willescroft, os coros de Anna Ross e um quarteto de cordas formado por Claire, Lisa, Nicky e Adrienne.
All You Need Is Now, 13.º álbum de estúdio, dá o tom para todo o concerto, mas é claro que os temas dos primeiros álbuns também ganham protagonismo, assim como alguns convidados: Gerard Way, dos My Chemical Romance, é o primeiro a mostrar-se quando tocam “Planet Earth”. Um tema que é acompanhado pelo efeito de uma espécie de chuva diagonal e pela tradicional imagem do planeta azul. Pouco depois, Beth Ditto, da banda Gossip, é a convidada que desfila em palco, colaborando com Le Bon para juntos e, às tantas até com o público, cantarem “Notorious”.
“Hungry Like The Wolf ” mostra lobos desenhados sobre as imagens do concerto e Mark Ronson, também produtor do disco, traz a sua guitarra para junto dos Duran Duran quando o momento é de tocar o tema “Safe (In The Heat of The Moment”). A atmosfera é de enorme entusiasmo, o preto e branco vai dando lugar a efeitos de cor e Kelis, que voltará mais adiante, junta-se ao vocalista para “The Man Who Stole A Leopard” em que sete bonecas animadas fazem a sua aparição. É Lynch a deixar marcas de bizarria como foi fazendo ao longo de dezenas de filmes…
As interações em palco e com quem assiste ao concerto mantêm a boa disposição e, quase com hora e meia de música, após tocarem “Rio”, os Duran Duran deixam o palco por instantes. É o delírio entre o público, maioritariamente feminino. Ouvem-se gritos de êxtase, trovejam os aplausos, caras sorridentes emergem da escuridão, reveladas pelas câmaras lynchianas. Mark Ronson regressa ao palco quando se viaja até “View To A Kill”, tema genérico do 007 que, em 1985, juntou Roger Moore, Christopher Walken e Grace Jones numa película com cenas memoráveis, por exemplo, na Torre Eiffel. Antes da apoteose final, que não dispensa abraços trocados entre quem ocupa o palco, outra viagem ao passado para “Girls on Film”.
“Tive sonhos magníficos a ouvir a música dos Duran Duran”, diz David Lynch, quase no começo do filme. Quando termina a sua visão deste concerto, fica a sensação de que fizemos parte de um desses sonhos e que “Unstaged” é, afinal, uma dádiva do realizador para quem não dispensa música sem cinema.