O Trovador está de volta. Bruno Pereira é o homem por trás de Senhor Vulcão, projecto invulgar no panorama nacional, banda de um homem só, que lança agora dois discos de uma vez. Canções do Bandido e Flores do Bem são dois novos maços de canções, depois da enxurrada de 2013, Montanha. Da produção de Rita Redshoes à inspiração em Charles Baudelaire, ficamos a perceber a origem da nova música de Senhor Vulcão.
Conta-me de onde vêm estes discos. O primeiro volume saiu há 3 anos, de lá para cá foste trabalhando consistentemente nestes dois novos volumes?
Depois do Montanha ainda estive a tocar ao vivo, até 2015, entretanto comecei a compor algumas coisas, eu escrevo bastante e depois começo a ficar com muita coisa acumulada no baú. Então houve essa primeira fase de compor, depois senti que queria inverter um bocado o processo do primeiro disco, que foi uma coisa super fechada, eu sozinho em casa, num espaço muito reduzido, uma coisa muito minha, só a sair de mim e queria sair um bocado para fora de pé e pôr-me ao desafio. Daí, falei com a minha irmã [Rita Redshoes] e perguntei-lhe se ela queria co-produzir o disco comigo e ela disse que sim. Depois a coisa começou a tomar um formato mais sério na minha cabeça, de um próximo volume. Foi assim que começou.
O Canções do Bandido é o volume 2 e tem várias diferenças do anterior – mais elementos, outras cores. Esse resultado tem a ver com alguma forma diferente de fazeres as coisas ou continuas a compor da mesma maneira, o que muda é a produção?
A forma de compor é sempre a mesma, sou eu e a guitarra, é o que eu faço sempre. Algumas vezes começo com um ritmo de guitarra e as palavras começam a sair umas atrás das outras, é escrito de enxurrada, quase como uma avalanche; noutras composições, o que experimentei desta vez foi aprodundar um bocado mais a composição, enquanto o primeiro disco estava muito focado na palavra, no que estava a dizer, o que é melódico é quase acompanhar a palavra, aqui quis dar outras cores ao disco, criar outros ambientes que, no Montanha, eu já os imaginava na minha cabeça mas não traduzi para som. Aqui tive mais atenção e vontade de criar paletas cromáticas e sonoras mais densas, se calhar quando falo de uma floresta encantada queria transmitir isso, não só no que digo, mas também no ambiente sonoro que podia criar. E aí sim, o Canções do Bandido é bastante mais denso e um bocadinho mais misterioso, no sentido musical, ou seja, é uma descoberta também minha muito grande. Não pensei que fosse tão longe já, nessa paleta sonora, acho que o facto de trabalhar com a Rita me ajudou bastante nesse sentido, porque nós começámos a tocar juntos, eu com 20 ela com 15, os Atomic Bees tiveram 10 anos de carreira juvenil de rock’n’roll, e depois continuei a trabalhar muito com ela, embora mais na parte visual. Desta vez quis passá-la para o meu lado, e acho que a entrada dela também ajudou nesse sentido visual, ou seja, também foi fácil para mim – com alguns pianos, alguns sons que ela introduziu, criar essa imagética à volta do som, não tão denso como o primeiro, de que eu gosto muito também.
A entrada desses pianos foi-te natural, ou soou-te como um corpo estranho a entrar na tua música?
Foi natural porque, o facto de eu a conhecer há muitos anos, foi muito fácil imaginar os pianos dela na minha música, os pianos foram gravados ao primeiro take. Não foi nada estranho, até foi um acrescentar, que achei muito interessante porque consegui que a minha música criasse um volume maior, em termos de camadas, interessa-me também trabalhar essa questão das camadas, essa parte sonora fascina-me muito. Eu no primeiro disco não consegui passar isso, mas neste segundo já consegui passar parte disso, e fiquei um bocado embrenhado nessa noção.
Este disco tem mais profundidade, que vem de um certo trabalho de laboratório, nos arranjos e produção?
Sim. Embora eu seja um tipo que gosta de gravar as coisas em poucos takes. Ao contrário da tendência de hoje em dia de ouvir discos perfeitos, eu gosto é de discos imperfeitos. Quando constróis tudo, palavra por palavra Pro Tools, a magia, a energia, o feeling a continuidade, desaparece. E eu adoro essa questão de estar com tudo, pode não ser o take perfeito mas passa-se a mensagem, a energia e a intenção perfeita. Ou seja, há um trabalho de laboratório, mas muito prático logo na altura, também não tive muito tempo para gravar o disco.
Neste disco também há muito mais experimentação.
Sim, completamente. Eu estava a pensar ir buscar alguém para tocar os solos que eu imaginava e acabei por tocá-los eu todos. Para mim, como músico, foi uma evolução porque ganhei confiança para criar mais coisas daquelas, ganhei espaço como músico, este disco é um crescimento. Eu sempre fui um auto-didacta, aprendi a tocar bateria e guitarra sozinho, mas finalmente, a chegar aos meus 40 anos, fui aprender canto. Estou a ter aulas de canto, com uma professora de jazz, fui pela primeira vez aprender qualquer coisa como manda a regra, para me ajudar a desenvolver a parte vocal e de colocação.
Depois do Bandido vêm as Flores do Bem. Esse disco é mais próximo do Montanha, quiseste voltar às raízes?
Sim, um bocado. Durante as Canções do Bandido tive essa vontade de voltar a tocar algumas músicas que eu tinha feito, umas bastante antigas e outras que acabei por fazer durante as Canções do Bandido, e fui três tardes – com o João Mendes a operar o som e o Cândido Jacob a fazer uns solos de lapsteel – mas foram takes directos, eu e a guitarra, fazíamos dois, três takes, escolhíamos um, e ficava aquela verdade naquele momento. Portanto senti a necessidade de me tornar um pouco mais bruto, concreto, e também fotografar musicalmente a minha forma de fazer as coisas, que é aquela, uma stompbox, uma guitarra e a voz.
O título, Flores do Bem, vai buscar qualquer coisa ao Baudelaire?
Sim, sempre achei o título brutalíssimo, Flores do Mal, acho lindo. Eu gosto de contrastes, como é o caso do senhor-vulcão, flores do mal, sempre achei bonito, é negro mas é um negro bonito. E isso sempre me ficou na cabeça e para mim fazia sentido serem as flores do bem, ao contrário das Flores do Mal, mas quase como um complemento dessa minha paixão pela natureza e pela verdade humana, pela bondade e honra, etc, as Flores do Bem é como se fosse uma homenagem a essa pureza que o Homem tem.
E, não que seja um tratado de botânica, mas neste disco há muita flora. É um tema que te interessa?
É realmente um tema que me interessa, pássaros, flores, a natureza bruta, é um espaço que me dá muita paz, também me faz lembrar a juventude, e acho que há uma grande liberdade nisso, que o homem hoje em dia sobrepõe com cimento atrás de cimento, e petróleo, e plástico. Não consigo conceber o porquê. Como é que substituis uma floresta por um aglomerado de cimento? Aí se calhar são flores do mal, não sei. Mas parece que estamos revoltados com alguma coisa que é tão bela. E cria-me estranheza, e essas Flores do Bem também são uma homenagem a essas coisas coisas boas que nós temos. Não gosto de falar em Bem e Mal, mas acho que há um lado negro qualquer estranho que quer obscurecer a beleza.
E já tens planos para tocar isto ao vivo? As Canções do Bandido vivem bem só com guitarra ou vais tentar levar pianos para o palco?
Sinceramente, estou nesse dilema, de como é que vou levar isto para palco. Estou e tentar ensaiar com mais uma ou duas pessoas, porque acho que o Canções pode precisar de algo mais para transmitir o disco. Não quer dizer que faça sempre com esse formato, gostava de continuar a fazer eu sozinho em palco, porque é um formato que eu controlo na sua totalidade. Por muito que tu ensaies com alguém, é sempre ensaiar para fazer um take igual ao ensaio. E a liberdade que me dá o facto de ser eu sozinho a tocar é porque a minha regra naquele dia pode não ser essa, eu se calhar quero ir mais devagar, se calhar quero parar a meio, posso não querer cantar a música toda, ou quero repeti-la muito mais vezes. Mas estou a pensar nas duas formas. No ano passado estive a tocar com um percussionista, este ano estou a pensar como é que vou fazer. A minha ideia é fazer quase uma enciclopédia sonora, de volumes, não é obrigatoriamente fazer um disco e ir tocá-lo ao vivo e fazer outro disco. Como isto é uma edição de autor, não tenho essa obrigatoriedade de gravar, tocar. Vou fazendo aquilo que me apetece. E já tenho umas 30 músicas de lado e ainda queria se calhar este ano lançar mais um volume de canções.
Para próximos discos, já tens ideia de coisas que queiras experimentar?
Sim. Eu nas Flores do Bem, em duas músicas, tenho coros. Isso é uma coisa que gostava de explorar. Outra coisa que gostava de experimentar era um formato mais documental sonoro, sem ser aquela coisa de lançar uma música ou um disco com 13 músicas, o meu próximo passo vai ser mais… compras um volume e ouves coisas, que também têm canções, mas ouves ambientes, quase como se fosse um filme mas sem imagens. Esse é um dos caminhos que me está a apaixonar tremendamente, já comprei microfones para isso, essa experiência sonora. Eu já tenho isso um bocado, nalgumas canções no fim do Montanha, no Canções há umas que são quase faladas e há um ambiente por trás, algumas repetições para entrar um loop meio hipnótico, mas acho que para o próximo volume essa experiência vai ser maior.