Música e palavra aparecem muitas vezes de mãos dadas, mas quase nunca assim: AIR e Alessandro Baricco criaram City Reading, um álbum que se ouve, enquanto também se pode ler.
City Reading – Tre Storie Western foi um projeto singular, realizado pelo escritor italiano Alessandro Baricco e pela banda francesa AIR. É assim que deve ser julgado, como um feito muito particular e irrepetível. Um instante sonoro em duplo sentido (som e palavra, que mais não é do que som e significado). Se o virmos dessa forma, talvez consigamos entendê-lo melhor, procurando o que de bom os AIR sabem fazer, assim como o encanto das subtilezas bonitas da palavra italiana, ditas pelo seu próprio autor. É mais ou menos isto que podemos encontrar no álbum de 2003. E, acreditem, não é assim tão pouco.
É claro que City Reading nunca será lembrado, quando nos vem à cabeça os melhores álbuns dos AIR. Talvez muitos nem o conheçam, até ao presente momento. Comprei o disco porque conhecia ambos os autores. Os AIR, de quem sempre gostei desde a primeira hora, e Baricco por me ter rendido completamente aos encantos de Seda, o livro publicado (Difel, 2000), e depois o filme. Fui lendo tudo o que por cá se publicou do escritor de Turim, até que me cruzei com City (Difel, 2000) um pouco mais tarde. A ideia por detrás do disco é simples: fazer algumas leituras do romance em voz alta e com música a acompanhar esse impulso de leitura. Baricco e os AIR fizeram-no em Roma, no ano 2002. Agradou. Foi um sucesso, segundo consta. Por isso, julgamos nós, fez-se uma gravação em estúdio, e está a coisa contada. Simples, como muito simples também é o que nele escutamos. Som e palavra de mão dadas.
City Reading, como já o dissemos, não é um álbum memorável, nem era suposto sê-lo. Longe disso, até. Mas como objeto singular que é, merece alguma atenção. As três histórias lidas (“Bird”, “La Puttana do Closingtown” e “Caccia All’Uomo”) são, como já se percebeu, acompanhadas musicalmente pela dupla Godin / Dunckel, competentes na forma como intensificam ou aligeiram as passagens textuais, de acordo com os conteúdos narrados. Há muito que sabíamos, igualmente, da mestria da pena de Alessandro Baricco, mas também a sua voz soa escorreita, o seu tom alinhado na perfeição com as palavras ditas, fazem de City Reading uma hora (ou quase) bem passada. Talvez, lá mais para meio do discurso musicado, haja algum cansaço auditivo, mas tudo passa, sobretudo se nos deixarmos ir pela musicalidade da língua em causa, e se conseguirmos ir seguindo o enredo dos três textos que neste álbum se conjugam.
Quando Alessandro Baricco e os AIR se dedicaram a esta audaciosa aventura, também se pensou em acrescentar, ao livro e ao álbum, um jogo de vídeo, coisa que nunca terá acontecido, tanto quanto sabemos. Talvez não se tenha perdido grande coisa. Se a vossa curiosidade ficar espevitada, o livro pode perfeitamente ser encontrado nos sites que todos conhecemos, uma vez que se encontra há muito esgotado. O mesmo também acontecerá com o álbum, seguramente. Não procurei qualquer deles, uma vez que os tenho aqui, à minha frente, enquanto escrevo as breves linhas deste texto para o Especial AIR do Altamont.