A solo – mas não sozinho – o vocalista dos You Can’t Win Charlie Brown estreia-se com um disco orquestral, cinemático, galante.
Já lhe ouvimos a voz há cerca de 10 anos, nos YCWCB e em vários projectos em que é vocalista convidado. Enquanto cantor, é dos melhores da sua geração. E é também pianista, guitarrista, compositor. Dos Charlie Brown já lhe conhecíamos o bom gosto, a pontaria para acertar em melodias de encantar e agora, a solo, mostra-nos algumas coisas novas, por exemplo, o bom cantar em português de Lisboa ou os dotes de maestro.
Este é o primeiro disco a solo, mas ao todo participam no álbum quase 20 músicos, com destaque para secções de cordas e de sopros, sob a batuta de Afonso.
Um ponto inicial, mas quiçá desnecessário, é detectar o que é Afonso Cabral Solo e o que é You Can’t Win Charlie Brown. Naturalmente que a banda tem muito de Afonso, e Afonso tem muito da banda, já tudo entranhado, entrelaçado, será difícil distinguir onde acaba um e começa outro.
Ainda assim, claro, há diferenças. A começar pela língua cantada. Até aqui, foram raras as vezes que o ouvimos a cantar em português, mas assenta-lhe bem. Na métrica não teve problemas, mas diz que o vocabulário é que foi mais traiçoeiro. Em inglês, a língua estranha permite-lhe ser mais visceral, mas com o português teve mais trabalho para evitar ser demasiado íntimo/lamechas. Então escreveu um disco pessoal, sim, mas sem se escarrapachar nas canções. Por exemplo, não percebemos de caras que este é o primeiro disco que compõe desde que foi Pai pela primeira vez.
Depois, há a expansão das canções, cerca de metade roça os 6 minutos de duração, com espaço de sobra para as – habituais em YCWCB – mudanças de direcção e pára-arranca. Aqui, mais temperadas com o efeito dramático proporcionado por uma secção de cordas.
Como habitual na banda, estas músicas de Afonso Cabral a solo também são densamente povoadas mas em vez de ser tudo feito por 6 músicos (e o dobro dos instrumentos), aqui é feito em orquestra – 12 elementos em cordas, sopros, coros. Arranjos grandiloquentes que remetem – tanto na forma como no nome – para a Cinematic Orchestra.
A suportar os adornos, uma secção rítmica assente em dois dos mais virtuosos do panorama actual – o baterista João Correia (Tape Junk, Julie & The Carjackers, Jorge Palma, Benjamim…) e o baixista David Santos (TV Rural, Márcia, etc.). Uma equipa de luxo que ajuda a dar ao disco de Afonso Cabral uma aura de grandiosidade.
E depois, claro, as composições. Das baladas lindíssimas como “Verso e Refrão”, “Sussurro” e “Fogo Manso”, à pop califórnia anos 60 de “Inércia”, às ambiciosas e cheias de balanço “Entre as Palavras e os Actos”, “Contramão” e “Sempre Sim”. Ah, e também cá está “Perto”, que foi a primeira canção que compôs em português, em 2017, mas que na altura entregou a Cristina Branco e só agora decidiu cantá-la também.
Morada é um óptimo capítulo para início de conversa de uma nova fase na carreira de Afonso Cabral, com 9 canções certeiras e orelhudas que só auguram tudo de bom para o futuro.