Dêem-me as mãos e venham comigo. Vamos estar, vamos ser, vamos sentir. Vamos buscar paz, curar os males da alma e sair do nosso corpo. Se tudo correr como bem, vamos tornar-nos luz. Se não, tornamo-nos água. Mas tanto faz, o que importa é o caminho, não o destino. E o veículo, o disco de estreia dos Human Natures.
É um disco mas é muito mais que um álbum – é um ser vivo imaterial que se move através do nosso corpo, percorre os canais sensoriais e vai espalhando estímulos e sinais eléctricos que o cérebro não precisa sequer de detectar. Não é racional, nem físico, é uma experiência inteiramente espiritual e emocional.
Human Natures é, actualmente, um octeto. Mas começou por ser um projecto a solo, um alter-ego de João Ribeiro (formado em Música e mestrado em Ciências Farmacêuticas, pelo que não é aleatória a prescrição desta dose de homeopatia musical). No processo de construir as canções, foi preciso dar magnitude e por isso foi recrutando uma série de músicos com provas dadas na vibrante cena de Coimbra (por exemplo Maria Roque que conhecemos como MaZela, ou Constança Ochoa que, a solo, dá pelo nome de Líquen). Não bastando, convidou ainda um quarteto de cordas (Almedina Ensemble) e um septeto de sopros (Coimbrass Band).
E é com esta orquestra onírica que lança agora o primeiro disco, Electric Dreams (que já vem sendo prometido desde Maio de 2023, quando saiu o primeiro single), onde tudo é etéreo, pacífico, apaziguador, guitarras lânguidas e aquáticas que criam um ambiente altamente sereno. Leva-nos ao mesmo tempo para as profundezas do oceano – a própria capa, azul água, a remeter para esse elemento fulcral – e para fora da atmosfera, para um qualquer lugar onde o tempo e o espaço se desconfiguram.
Tudo é suave e ameno, os instrumentos fluem com brandura, as vozes entram sempre com blandícia e são atmosféricas, por vezes imperceptíveis, numa junção de camadas gentis que criam um território sonhador, quase hipnótico mas sem ser repetitivo.
Todas as canções são longas, não há aqui nenhuma pressa de chegar, é música para nos conduzir durante um sonho lúcido, para nos fazer levitar até um estado de luz, de plenitude do ser, para além da consciência e da presença física. É um canto que nos convoca para um ritual, para um estado primordial de bondade, dar as mãos uns aos outros, abraçar uma árvore, praticar o bem, absorver a energia do cosmos. É, no fundo, uma cura. Algo que nos expurga as toxinas e nos permite estar de coração puro, valorizar as coisas simples como sentir o vento na cara ou ouvir o som de folhas a cair no Outono.
Mas não se pense que o que aqui temos é um guia barato e abstracto de meditação e auto-ajuda. Tudo isto está embrulhado num pacote delicioso de cantigas, que nos trazem à memória referências de outros exímios fazedores de canções. Das guitarras à Mac DeMarco aos pianos à Moby, também cabem neste universo os Radiohead (todo o disco nos leva para a serenidade do fundo do mar, como no vídeo de “Pyramid Song”), os mestres da pop-sonhadora Beach House, ou os heróis shoegaze Slowdive. <É um disco para ouvir como um todo, mas está também cheio de singles, que sobrevivem sozinhos na perfeição.
Electric Dreams tem a duração de 63 minutos, divididos em quatro capítulos separados por temas instrumentais. Para uma fruição plena, recomendo que se ouça tudo de uma vez, como se de uma ópera se tratasse. Quando se chega ao fim, saímos mais leves e optimistas, plenos e serenos enquanto seres sencientes, «neste caos infinito que é o uni-verso».