Um marco da música indie e consequentemente um dos melhores álbuns da década de 90, In The Aeroplane Over The Sea é sujo, cru, bonito e emocionante.
O segundo disco dos Neutral Milk Hotel pretendia afastar-se da pouca qualidade e acabou por ser um marco do lo-fi, graças ao uso de alta compressão sonora ao invés dos habituais pedais de distorção. Dificil de classificar, é uma experiência sensorial onde a mistura de estilos sobressai. Há folk, há psicadelismo, há serrotes musicais e aquilo que foi muito bem descrito no Allmusic como uma banda de marcha em ácidos.
As letras surreais e encriptadas de Jeff Magnum, com temas atemporais de amor, conexão, memórias nostálgicas e muita inspiração em Anne Frank, ainda hoje são discutidas se formam ou não um fio condutor do disco, já que as músicas muitas vezes se misturam umas nas outras ao longo deste In The Aeroplane Over The Sea.
Este é aliás um dos pontos fortes do álbum. Ao serem ambíguas, as letras fazem com que o ouvinte projete as suas emoções. O outro ponto forte é mesmo o estilo de gravação, que apesar de cru, abre uma intimidade com os Neutral Milk Hotel que transforma a escuta deste disco numa experiência emocional e íntima.
In The Aeroplane Over The Sea começa com “King of Carrot Flowers Pt. One”, um arranjo e progressão de acordes simples, mas com imensa profundidade emocional e nostálgica, seguido de “King of Carrot Flowers Pt. Two & Three”. Uma continuação do tema, mas muito mais a abrir (a introdução do disco à distorção) e com a característica voz de Jeff Magnum, sempre no limite da afinação.
A terceira é a faixa-título, “In the Aeroplane Over the Sea”, a tal do serrote musical. Fala da vida, da morte, do real e do imaginário. Mais uma progressão de acordes simples, coisa que abunda neste disco, já que a força musical está nesta familiaridade mas também com os arranjos lo-fi.
A canção é seguida de “Two-Headed Boy Pt. One”. Mais uma vez, carregada de emoção na voz de Magnum, com temas de descoberta sexual e um tema recorrente, o de uma busca por pertencer e ser amado. Colada vem a instrumental “The Fool”, onde uma daquelas bandas de marcha, com sopros e baterias dá uma lenta volta num campo de futebol americano abandonado, pelo menos na minha cabeça.
“Holland, 1945”, uma das faixas mais conhecidas do álbum, fala da história de Anne Frank no início e rapidamente se torna mais criptíca, com os prevalentes temas do amor, perda e a luta pela memória. Um tema com uma energia contagiante sobre as consequências da guerra.
Aqui o disco abranda um pouco, com “Communist Daughter”, uma canção praticamente acústica, com uma secção final com sopros, seguida de “Oh Comely”, onde Mangum reflete sobre a beleza e a tristeza da vida. Até nas canções mais calmas a entrega vocal faz com que até aos nossos ouvidos chegue toda a emoção.
A chegar ao final do álbum encontramos “Ghost”, outra vez com uma referência subtil a Anne Frank, uma das inspirações em todo o disco e que faz com que, como escrevi antes, alguns tentem encontrar um fio condutor em todas as canções. Mas mais do que ser sobre a fragilidade da vida e a persistência da memória (“I know that she will live forever/she will never die”) as provas concretas para contar uma história coerente são poucas.
Em “Untitled” arrancamos com uma espécie de gaita de foles – meio Beatles em período All You Need Is Love – que se transforma em quase música de circo, com trompetes que sobem e descem e um coro de “aaahs”. A terminar o disco vem a segunda parte de Two Headed Boy, intitulada “Two-Headed Boy Pt. Two”. Com uma perspetiva pueril em busca de ligação emocional, toca também nos temas da nostalgia e da perda.
Como já ficou entrelinhas, é uma obra-prima. Ainda que para muitos a sonoridade lo-fi ou a desafinação de Magnum possam afastar ouvidos habituados apenas a uma produção limpa, a complexidade e reflexão das letras, associadas à mais crua entrega emocional que trespassa na gravação do álbum, chega até nós criando um ambiente envolvente, onde cada faixa se entrelaça, e reforça a sua profundidade. Um disco sobre a fragilidade da vida que é uma obra fundamental na música indie.