
Os XTC sempre foram uma banda de culto. Mesmo já não existindo há muito, é ainda bem verdade que essa antiga veneração permanece intacta nos dias que correm, e são inúmeros os fãs dos criadores de “Making Plans For Nigel”. Há-os em todo o lado, entre todos os melómanos, e esses seguidores permanecem resilientes e capazes de tudo fazer no que diz respeito a espalhar a sua fé musical em Andy Partridge, Colin Moulding e restante companhia.
Surgidos em 1976, a banda deu à luz o seu primeiro longa duração em 78, e a partir dessa distante data foi avolumando álbuns atrás de álbuns até ao último trabalho de originais, já em 2000, intitulado Wasp Star (Apple Venus Volume 2). Isto, claro, se não contarmos com os dois discos dos The Dukes of Stratosphear, albuns ao vivo, discos de demos, bootlegs e afins. Há, na verdade, muito por onde escolher nesse território sonoro que percorreu a new wave, a pop, o rock alternativo, o art-rock, o psicadelismo e muitos outros caminhos que pouco importa agora nomear. A grandeza do seu corpo de trabalho fez dos XTC uma banda de respeito, inovadora como poucas, e sempre bem capaz de atualizar o seu som sem quaisquer cedências ou facilitismos. A extensão da sua discografia e o impacto que foi tendo e continua a ter, leva-me a reabrir esta Uma Mão Cheia, que por aqui já apareceu por cinco ocasiões, todas elas com sotaque bem próximo do nosso. Mudamos, a partir de hoje, para uma outra língua, para um outro estilo de fazer boa música, e vamos diretos à velha Albion sem mais delongas. Minhas senhoras e meus senhores, aqui estão os cinco melhores discos dos meus adorados XTC!
Drums And Wires (1979): À terceira, foi de vez. Este é o primeiro grande disco dos XTC, apesar de ser o terceiro da discografia da banda. Em relação aos anteriores, Drums And Wires é mais maduro, mais conseguido, mais próximo daquilo que poderíamos chamar um álbum clássico da new wave tão em voga na altura. O ecletismo musical dos primeiros tempos mantém-se aqui, e por isso os vários temas do álbum disparam em múltiplas direções. Os riffs das guitarras são mais que muitos, o tom festivo dura o disco inteiro, e Drums And Wires é, todo ele, um hino à juventude inquieta da transição dos setentas para os oitentas. Outro aspeto a ter em conta, sobretudo para aqueles que também reparam nas letras das canções, é a crítica social que algumas delas mostram até à exaustão. Das muitas boas canções, o destaque óbvio terá de ir para a faixa de abertura, a maravilhosamente enérgica “Making Plans For Nigel”. Um instant classic, sem dúvida. Ouvir Drums And Wires é como vestir calças de ganga ruças a dever algum tempo à lavagem, olhar para o espelho do tempo e perceber que se tem 16 anos e que é preciso aproveitar a vida. No entanto, não vá entenderem mal o que escrevo, neste disco (embora ainda de forma embrionária) começamos a perceber que em Andy Partridge e Colin Moulding há uma inteligência pop refinada e quirky que ajudou a cimentar o culto em alguns, e a afastar da banda os ouvidos de muitos mais.
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English Settlement (1982): Este é, para imensos fãs dos XTC, o seu melhor trabalho. Não tenho para mim essa verdade como plena e garantida, mas não me desgosta a ideia, mesmo assim. Mas tenho dúvidas, embora adore English Settlement. Vivi o tempo do seu aparecimento, e lembro-me bem do impacto que teve em mim. Ouvir, como tantas vezes ouvi, “Senses Working Overtime” na Comercial (nos anos 80 era a melhor das rádios, sem margem para quaisquer dúvidas), era um dos prazeres do dia, até que consegui andar com o disco inteiro por todo o lado, numa K7 BASF verde que ouvi até ao limite físico daquela magnífica fita sonora. Pena que a edição portuguesa do disco tenha sido curta, uma vez que de um álbum duplo, como se apresenta originalmente, fizeram um disco simples, cortado no seu sentido e no seu conteúdo de raiz. Enfim, coisas à portuguesa. No entanto, e com o aparecimento do formato cd, pude, mais tarde, ouvir o disco na íntegra, e fiquei ainda mais maravilhado. É um trabalho de fôlego, repleto de enormes canções, embora nem sempre tão orelhudas como a já referida “Senses Working Overtime”, que tem um refrão contagiante como poucos outros na obra dos XTC. English Settlement, o disco da capa verde e do Uffington White Horse é a obra que marca o início da maturidade pop da banda de Swindon, mas há muitas outras canções, para além da já mencionada, a provar o que afirmo. Tome nota de algumas: “Ball And Chain”, “No Thugs In Our House”, “Melt The Guns”, que foram os singles do álbum, mas também de “Runaways”, “Jason And The Argonauts” ou “Snowman”, a encerrar o quarto lado dos dois LPs.
- se gostaram deste disco, ouçam também Mummer (1983)
Skylarking (1986): É comum dizer-se que este é o disco dos XTC com mais influências de bandas como os The Beatles, The Beach Boys ou The Kinks. E é bem verdade, na minha opinião. Influências, no entanto, bem digeridas e temperadas com os exóticos ingredientes sonoros que sempre fizeram parte dos banquetes melódicos de Andy Partridge e restante trupe. Skylarking é outro clássico da banda, e até (talvez) mais unânime do que o disco de 82, no que diz respeito ao melhor da discografia dos XTC. A produção esteve a cargo de Todd Rundgren, e o mínimo que se pode dizer é que correu pessimamente, sobretudo se atentarmos às palavras dos músicos da banda que detestaram o processo de gravação, bem como o resultado final. Tanto assim foi que só muito recentemente o disco teve uma edição de acordo com a forma como os XTC queriam que tivesse soado, e também com a capa e contracapa originalmente pretendidas, um pouco avançadas para as mentes fechadas da Inglaterra dos anos 80. Mas vamos às canções, que são muitas e fabulosas: “Summer’s Cauldron”, “Grass” (a minha preferida!), “Ballet for a Rainy Day” (tão beatlesca), “The Meeting Place”, “That’s Really Super, Supergirl”, “Big Day”, “The Man Who Sailed Around His Soul” (tão à Joe Jackson) e a absolutamente divina “Dear God”, que não entrou no alinhamento original, mas que numa edição posterior substituiu a referida canção jacksoniana. “Dear God” e os seus admiráveis versos são a prova do génio intemporal dos XTC, e uma das suas melhores canções de sempre.
- se gostaram deste disco, ouçam também Oranges & Lemons (1989)
Apple Venus Volume 1 (1999): A transição de séculos fez bem aos XTC. Os discos de 1999 e 2000 são fabulosos, principalmente este Apple Venus Volume 1, uma espécie de canto do cisne (não literalmente) maior para uma banda que sempre foi grande. Quase todas as canções de Andy Partridge feitas para este disco eram novas, embora as de Moulding fossem já mais antigas, canções que não haviam entrado em trabalhos anteriores, como Nonsuch, de 1992. Pensado inicialmente como álbum duplo, a banda decidiu separar o material, que era muitíssimo, de modo a que dois LPs pudessem ver a luz do dia separadamente. Apple Venus Volume 1 marcou uma nova (e quase derradeira) etapa na vida do grupo. Com ele a banda estreava a sua recente editora, a Idea Records, depois de terem largado a Virgin Records um ano antes. Havia algum receio sobre o estado de forma dos XTC, uma vez que o anterior disco (Nonsuch) distava deste cerca de sete anos, e por vezes os regressos há muito esperados não trazem nada de substantivo ao body of work de um grupo, como bem sabemos. Não foi o caso, para grande alívio de muitos, e também para grande consolação pessoal, confesso. O que encontramos aqui é mais um lote de verdadeiras pérolas, pérolas adultas e trabalhadas por artífices experientes. Desde logo uma mão cheia delas saltam aos ouvidos: “River Of Orchids”, “I’d Like That”, “Easter Theatre”, “Knights In Shining Karma” (a lembrar as melhores de Simon and Garfunkel), “Frivolous Tonight”, mas principalmente “Greenman” e “Your Dictionary”, que amo desde sempre, e cada vez mais sempre que as ouço. Mais um disco a roçar a perfeição pop, portanto!
- se gostaram deste disco, ouçam também Homespun (1999), disco de demos de Apple Venus Volume 1
Wasp Star – Apple Venus Volume 2 (2000): Este sim, foi o momento final da carreira discográfica dos XTC! Há 16 anos que permanecem mudos, e a dor desse silêncio só é suavizada pela audição que vou fazendo dos vários e bons álbuns que nos deixaram ao longo do seu percurso de vida. Wasp Star é outro grande momento musical, e quando foi gravado a banda era apenas composta pela dupla Partridge / Moulding, embora tivessem, obviamente, usado músicos de sessão para a gravação de canções como “Playground” (que belo riff de entrada!), “Stupidly Happy” (outro grande riff, à Stones), “In Another Life”, “My Brown Guitar”, que poderia ser uma antiga canção dos The Beatles ou de McCartney, ou a festiva “I’m The Man Who Murdered Love”. Menos bem recebido do que o seu companheiro Apple Venus Volume 1, pareceu-me injusto não o incluir nesta restrita lista, até pela saudade que me assalta sempre que o meto a rodar, como acontece neste preciso momento. As intrincadas estruturas pop de Andy Partridge andam por aqui como sempre andaram, intactas, inovadoras, inquietas e inquietantes, características definidoras do som dos XTC. A banda envelheceu depurando o que de bom foi mostrando ter desde o seu início, é bem verdade. Se ouvirmos White Music (1978), o seu primeiro disco, e passarmos imediatamente para este Wasp Star, perceberemos que o tempo passou, e que passou bem. Mas se quisermos ouvir toda a discografia dos XTC, verificaremos que a transversalidade do génio de Andy Partrige foi sempre uma constante.
- se gostaram deste disco ouçam também Homegrown (2001), disco de demos de Wasp Star – Apple Venus Volume 2
E pronto, está tudo dito. Claro que o que aqui vos deixo poderá não ser a escolha que melhor convém aos seus ouvidos, mas deverá ser entendida, mesmo assim, apenas como um caminho possível, e nada mais do que isso. O importante será, a meu ver, que aceite a sugestão para que possa descobrir o universo musical destes enormes artistas. É esse o meu mais sincero desejo.