Points of Origin merece ser ouvido em lugar recatado, degustado com uma bebida na mão. É um álbum que se ouve e reouve, e que permanecerá muito tempo após o último acorde.
O meu processo de audição de álbuns novos é simples – começa o ano e criam-se duas playlists, uma com tudo o que vai saindo, outra com o que me parece mais interessante e ao qual quero dedicar maior tempo de antena. À medida que o ano vai passando, há álbuns que conquistam, e passam à shortlist para eventual nomeação nas escolhas do ano, outros que nem por isso, e simplesmente apago e sigo caminho. Entre estas duas, há uma terceira via, que é ficarem a marinar numa espécie de purgatório, continuam na playlist e vou lá voltando aqui e ali, sem saber muito bem como o processar. É aqui que está Points of Origin, desde Março. Ou melhor, estava, porque venho aqui comunicar-vos que o mesmo foi promovido a candidato a um dos melhores de 2025, após me ter acompanhado A2 fora, entre Algarve e Lisboa.
Quem é Will Stratton, eis uma pergunta pertinente. Desconhecia por completo o senhor, até ter lançado o seu oitavo álbum, pelo que cai por terra aquela conversinha hipster de era bom era no primeiro EP. Fun fact – no seu primeiro álbum, What the Night Said, de 2007, houve um tal de Sufjan Stevens que contribuiu, tocando oboé. Muita coisa aconteceu nestes 18 anos, como devem imaginar não estou aqui para vos contar isso, terão outros meios internéticos à disposição. Façamos então um fast forward no tempo, e debrucemo-nos sobre Points of Origin.
Usando como pano de fundo a Califórnia, temos neste álbum uma espécie de tapeçaria, com dez capítulos musicais, que funcionam como pequenos contos interligados. Cada canção tem a sua narrativa, Stratton é, para além de músico, um excelente contador de histórias, e cativa-nos para as mesmas com a sua voz delicada, arranjos exuberantes, e uma guitarra country/folk que só podia mesmo vir da América (ou, pelo menos, do nosso imaginário americano). Os protagonistas — camionistas, surfistas, ex-presidiários, funcionários da CIA, corretores imobiliários — cruzam-se em tempos e circunstâncias, entre incêndios florestais e a perspectiva de degelo e um oceano a invadir a costa.
A densidade literária das letras impressiona — referências a autores como Thomas Pynchon e Richard Powers, e cineastas como Terrence Malick e Paul Thomas Anderson são citados, mostrando que ambição não falta a Stratton. Mas de nada serviriam sem a palete musical que suporta as canções, veja-se o exemplo de “Bardo or Heaven?” e a sua construção dramática: começa com piano e voz etérea e culmina em um crescendo orquestral abruptamente cortado por silêncio. “I Found You”, música de abertura, conta uma história na primeira pessoa, e tem laivos de Sufjan Stevens no seu Carrie & Lowell. “Temple Bar” merece também ser destacada, um ritmo ligeiramente mais corrido, numa espécie de stream of consciouness, misturando nomes e afazeres de pessoas que visitam o bar.
Mais do que folclore ou folk-rock tradicional, Points of Origin reflete sobre memória, lugar, alienação geracional e ansiedade climática, com subtileza e empatia, falando de pessoas e conquistando-nos com a sua delicadeza.