O primeiro dia do Vodafone Paredes de Coura trouxe calor, pó e um anfiteatro cheio de música e memórias à beira-rio. Entre lágrimas, danças e refrães ao sol, o festival mostrou porque continua a ser um dos mais especiais do país.
Primeiro dia do Vodafone Paredes de Coura e o Altamont esteve presente, mais uma vez, para contar aos nossos estimados leitores como, de tão intenso que foi, se ficássemos por aqui já poderíamos rumar a casa de coração cheio. Felizmente, ainda temos mais três dias de música, festa e pó naquele que é o anfiteatro natural mais emblemático de Portugal e, a avaliar pela demografia dos milhares de pessoas presentes, talvez da Europa.
A inaugurar as hostes no palco principal esteve Samuel Úria e a sua banda, talvez a antever um concerto como o daquele dos Anjos onde só havia público onde havia sombra. As primeiras palavras de Úria foram: “Quem fica na sombra não aparece na fotografia” e de facto, muito calor se fez convidado. Mas os fãs resistiram, de cabeça ao sol e leques na mão, participando ativamente no concerto. Foram 45 minutos à Benfica, com uma pausa na transpiração sensivelmente a meio do espetáculo, para receber Carol B, convidada do disco e deste concerto. Foi também numa das canções mais calmas que o público se rendeu aos pés de Úria: com Lenço Enxuto, caíram lágrimas e entoaram vozes. Um concerto intenso, como muitos que ainda estavam para vir.

Os Unsafe Space Garden não estavam na nossa lista de “must see”, mas assim que os ouvimos ao longe, sentimos uma força a puxar-nos em direção ao palco. A banda existe desde 2019 e eu nunca os tinha ouvido (shame, shame, shame). Convenceram-me logo com o seu punk rock meio pop psicadélico, com pronúncia do Norte. O grupo é de Guimarães, e já é uma conquista haver projetos a pisar o palco de Coura que não vêm do eixo Lisboa-Porto, é por isso que este festival é tão especial. Apesar de os Unsafe Space Garden serem, até ontem, quase desconhecidos para mim, o seu clube de fãs parece estar bem afirmado… e à próxima oportunidade também farei parte dele.
As expectativas para a atuação de Nilüfer Yanya eram altas e a queda também. Não que o concerto tenha sido mau, as suas canções de indie britânico do século XXI não o permitem, mas foi morno (ou, em linguagem mais estilística: “meh”). Houve abanares de cabeça e balanços de corpos, mas de resto parece não ter causado grande impressão, nem a mim nem a quem me rodeava. Mais para o final, a cena mudou, felizmente, mas mesmo assim não conseguiu compensar. O concerto de Nilüfer foi também um momento para pôr a conversa em dia e abastecer de líquidos. O sol já se escondia, mas o calor tinha-se feito sentir durante várias horas.
MJ Lenderman apresentou-se com voz e guitarras a fazer lembrar os anos 90, com solos a puxar para a sua alt-country, mas com um cheiro a carro novo, perdão, música nova. A receção do público foi boa, reflexo da aceitação do seu disco Manning Fireworks e da melancolia do alt-country com a energia despretensiosa do indie rock. MJ conquista-nos tanto a cantar “So you say I’ve got a funny face” com a sua funny face em tom baladeiro, como quando o som se torna mais raivoso. Os The Wind de MJ Lenderman afirmaram que Coura tinha sido o maior público para quem já tocaram, com direito a foto para mostrar à mãe, no Arkansas. Acredito que mais arenas cheias virão.

Zaho de Sagazan, uma das grandes promessas da música francesa, fez-me ter algumas dúvidas sobre a programação do festival. A sua música mistura chanson française com música eletrónica e transformou o palco principal de Paredes de Coura numa espécie de palco da Eurovisão. A verdade é que a sonoridade inovadora e cativante conquistou o público e transformou o anfiteatro numa enorme pista de dança. Fico a pensar que, de facto, a organização não erra e, quando se afasta do indie rock, acerta. Verdade seja dita: La symphonie des éclairs foi um dos momentos altos do primeiro dia do festival, quando Zaho veio junto ao público e lhes passou o microfone. Os milhares presentes sentiram a emoção de cada palavra, assim como o impacto de empunhar a bandeira arco-íris quando a canção fala sobre encontrar beleza e força nas adversidades. Ainda que, pessoalmente, a música eletrónica da francesa não me agrade, as suas mensagens são emotivas e importantes para quem as ouve.

Seguiu-se uma correria do palco principal para o secundário para assistir a 35 minutos de Capicua, nesta segunda vez em Coura (a última tinha sido em 2014). Como disse a artista, foi um concerto curtinho e intenso. Pela sede e emoção de quem a acompanhou nestes escassos minutos, arrisco dizer que merecia muito mais deste festival do que um palco secundário. As palavras de luta cobriram quase todo o concerto: gritou-se pelas mulheres, pelos racializados, pela paz em Gaza. Eram muitos os punhos no ar, em sentido contrário. Dizem que quando uma borboleta bate as asas causa uma tempestade, pode ser que as palavras proferidas ontem cheguem aos ouvidos de quem devem. Quanto à Capicua, que ela cospe fogo, ninguém duvida.

O melhor ficou para o fim: coube aos Vampire Weekend fechar o palco principal no primeiro dia do festival. Num concerto forte em clássicos e com a dose certa de temas dos seus dois últimos discos, podemos afirmar que o material novo soa muito bem ao vivo e os clássicos nem vale a pena comentar. A banda, habitué nos palcos nacionais, disse-se feliz por voltar a Portugal e até se esforçou por dizer bastantes palavras em português. Contudo, as opiniões sobre o concerto dividiram o público: se houve quem dissesse que foi morno, muito à conta dos instrumentais prolongados (eu sou team morno), houve também quem dançasse até ficar com dores nos pés. Uma das belezas da música é essa, apesar de estarmos lado a lado no mesmo recinto, ela toca-nos de maneiras diferentes.

E assim foi o primeiro dia de festival: cansativo e cheio de pó, mas, no fundo, já não podemos esperar pelos próximos três dias de música intensa, daqueles que nos deixam memórias e provocam FOMO nos amigos que ficaram “em terra”.
Fotografias: Jorge Resende




















