Não há como definir o segundo dia do Paredes de Coura 2019 senão como triunfante, com um punhado de concertos verdadeiramente abençoados. Os New Ordem fizeram alguma batota emocional, é certo, mas deram o concerto de uma vida, por exemplo.
Haverá trio mais perfeito do que Khruangbin, o anfiteatro do Paredes de Coura e as seis da tarde? É improvável. Os texanos deram-nos ondas psicadélicas de bandeja, permitindo-nos surfar exatamente quando desejássemos, num concerto imaculado. Refletindo o recente lançamento de Hasta El Cielo, versão dub do seu último disco Com Todo El Mundo o grupo incluiu ocasionais excursões à Jamaica, sendo que a maior parte das músicas foi pontualmente embebida em delay (bateria incluída). De resto, o som dos Khruangbin encontra-se algures entre o highlife africano e o médio oriente, sendo que a versão deles de “Misirlou” não pareceu de todo descontextualizada do resto do repertório do grupo.
Num ato de pontualidade excepcional, os Car Seat Headrest deram início ao seu concerto dois minutos antes da hora prevista. Nem os fãs mais otimistas podiam estar preparados para o que se avizinhava. Reduzidos novamente a um quarteto, o grupo em nada diminuiu a dimensão do seu som, distribuindo hinos como se se quisessem livrar (leia-se exorcizar) deles. Desde “Sober to Death” e “Beach Life-in-Death” do recentemente reimaginado Twin Fantasy até aos clássicos indisputáveis de Teens of Denial, “Fill in the Blank” e “Drunk Drivers/Killers Whales” não faltou nada.
Quando os New Order finalmente pisaram o palco Vodafone, a eletricidade no ar era palpável. O concerto deixou evidente o lugar singular que os New Order ocupam na música popular, sendo uma banda que conseguiu simultaneamente definir uma época – a década de 1980 – mas que, ao mesmo tempo, conseguiu reinventar-se ao ponto de soar tão atual hoje em dia como alguns grupos mais recentes com quem partilham o cartaz (ou até mais, dada a afinidade que muita da música desta década tem com as sonoridades do passado). Mais do que a competência e musicalidade com que estas músicas são tocadas, o que é mais espantoso nestas versões é o facto de, quase quatro décadas depois, os New Order conseguirem homenagear o seu colega de banda sem parecer forçado ou artificial. De resto, é bom ver o grupo entregar-se com vigor às suas canções eternas como “Bizarre Love Triangle”, “Sub-culture” (repleta de pirotecnia guitarrística) e “True Faith”. Até a performance de “Blue Monday” pareceu revigorante, em vez de cansada. Não podiam faltar homenagens aos Joy Division e Ian Curtis, relembrados em versões de “Transmission”, “Love Will Tear Us Apart” e “Atmosphere” – no encore houve alguma batota emocional e um puxar à lágrima, com imagens do malogrado vocalista e uma evocação talvez desnecessária dos Joy Division. Nada de grave – tudo se perdoa a quem nos oferece um concerto magnífico como o da noite de quinta-feira.
E o que dizer da ingrata tarefa dos Capitão Fausto? Com efeito, tocar depois da danceteria estabelecida pelos New Order não era missão fácil, e os alfacinhas centraram o seu alinhamento nos seus dois últimos discos, o que dificultou a total sintonia com o público – porventura mais sedento de rock saltitante e menos das subtilezas da maturidade recente dos Fausto. O concerto não foi mau, mas também esteve longe de ser a total consagração do grupo.
O Vodafone Paredes de Coura prossegue esta sexta-feira com concertos, entre muitos outros, de Spiritualized e Father John Misty.
Texto: Miguel Moura e Pedro Primo Figueiredo || Fotografia: Inês Silva