Os BadBadNotGood brilharam e os Beach House, uma das maiores instituições indie de anos recentes, desiludiram. Mas o terceiro dia de Coura foi mais que isto.
No penúltimo dia do festival, Paredes de Coura foi deixando saudades antecipadas a todos aqueles que esgotaram os bilhetes com boas surpresas e expectativas cumpridas.
O dia de 18, sexta-feira, penúltimo dia do Vodafone Paredes de Coura, nascia quente, e o sol escaldante levava os campistas a procurarem resguardo nas margens frescas do rio Taboão – no entanto, o dia de concertos que aí vinha arrastava invariavelmente os corpos restabelecidos dos festivaleiros para o recinto, para ver ao vivo e a cores nomes tão antecipados como Bruno Pernadas, Young Fathers, BadBadNotGood, Beach House e muitos outros.
Para aqueles que não se despacharam a tempo dos portugueses Cave Story – sempre uma boa banda ao vivo, e Coura viu isso -, a dose nacional repetiu-se no palco Vodafone com Bruno Pernadas, às 18:30. O guitarrista recrutava para o palco a valiosa ajuda de uma banda completa com sopros vários e outros ilustres da música portuguesa – como Francisca Cortesão, dos Minta & The Book Trout, a cargo dos coros, acompanhada de Afonso Cabral, que já subira ao palco no dia anterior com os You Can’t Win, Charlie Brown. Um pequeno público ia-se amontoando junto do palco imensamente povoado de músicos e música para ouvir o sabor distinto do pop jazz do artista lisboeta, que ia rasgando sorrisos incontroláveis nas bocas de quem o ouvia, assim como arrancando comentários surpresos (“Ainda há quem toque com pauta em festivais?”). O jazz de Pernadas pode ainda ter toques de quem foi estudioso do género, mas acaba por se libertar do cânone com as melodias arrojadas e originais que este vai tecendo num território seu entre o teclado e a guitarra. Passando por temas tanto do primeiro álbum, How Can We Be Joyful in a World Full of Knowledge, como o single “Ahhhhh”, como de ambos os trabalhos lançados no ano passado – Worst Summer Ever e Those who throw objects at crocodiles will be asked to retrieve them – o concerto apenas pecou pela hora, pois Pernadas e a banda mereciam muitos mais olhos e ouvidos a fazer-lhes companhia.
Pouco depois do início do concerto de Andy Shauff no palco secundário, foi a vez do trio escocês Young Fathers ocupar o palco principal, às 19:40. Homens sisudos e de poucas palavras, foram poucos os momentos de interação com a audiência, preferindo deixar a música falar. E como fala. Grita, chega a ser ensurdecedora. Num misto heterogéneo de géneros variados, Alloysious Massaquoi, Kayus Bankole e ‘G’ Hastings saltaram e suaram pelo palco fora durante quase uma hora, da sua forma energética e furiosa de um hip-hop a saber a pop ou um pop a saber a hip-hop, ou algo entre os dois. A dança frenética de Alloysious Massaquoi revelou-se demasiada quando o músico abandonou o palco de mãos à cabeça, entregando-o aos restantes membros da banda, e ao fundo o deslumbrávamos de máscara de oxigénio em riste. Volta para aplauso da multidão, agarra o microfone e nunca mais quer parar. Não faltaram no alinhamento temas dos seus dois álbuns de estúdio, Dead, de 2014, e White Men Are Black Men Too, de 2015, e o entusiasmo escalou quando “Only God Knows”, melodia orelhuda que consta na banda sonora de “Trainspotting 2” chegou ao palco. Um concerto memorável e pujante de uma banda cuja música, “confusa de propósito”, chegou bem para confundir e animar o público em igual medida.

Os BadBadNotGood, uma das bandas mais esperadas de todo o festival, entraram em palco às 21:20, sendo recebidos por uma rajada de aplausos que se estendiam até ao final da colina. Afinal de contas, tudo se quereria para a estreia da banda por terras lusas fosse memorável. E foi, tanto para o conjunto, formado por Chester Hansen (baixo), Leland Whitty (saxofone), Alexander Sowinsky (bateria) e James Hill (piano, em substituição do luso-descendente Matthew Tavares), como para o público. Nem a audiência de Coura esperava que o grupo de miúdos canadianos da escola do jazz fusão fizessem a festa, nem Alexander Sowinsky, porta-voz alegre e radiante, esperava que a companhia fosse tão boa. Mas foi, ao longo de um concerto pontuado tanto pela bomba instrumental a soar das colunas, como pela boa disposição e convívio saudável com o público: Sowinsky, cuja cara jovem quase o denuncia como um campista disfarçado, é um animal de palco nato, mexendo com quem o escuta, obrigando-os a fazer além de ouvir, com os seus braços e pernas, fazendo-os baixar e saltar, rir e sorrir incontrolavelmente. Deu tempo para tudo – com um concerto principalmente focado em temas retirados do seu mais recente trabalho, IV, mas também de álbuns passados (não faltou o entusiasmo aqueles que viram a sua vontade de ouvir temas como “Kaleidoscope” ou “Confessions”, de III (2014) -, até um momento de ternura entre Sowinsky e Whitty, que dançaram juntos, perdidos em abraços e pinotes, acompanhados da doçura de piano de James Hill, para o divertimento de todo o público. É disto que vivem os BadBadNotGood: uma falta de pretensão quase alarmante, apesar de uma qualidade e talento imensos, um à vontade com a festa e a parvoíce que não lhes dá mais do que os seus vintes, e ainda bem. O concerto terminou, as luzes acenderam-se, o público bateu palmas e soltou gritos e urros até mais não, e ainda deu tempo para ver Sowinsky a fazer uma corrida ao público, distribuindo abraços e agradecimentos. É tão bom quando crescer é adiado. E quando a humildade ainda se lê nos olhos brilhantes de um grupo de miúdos e não nas palavras feitas dos músicos que agradecem por agradecer. Muito amor.

Às 23:15 avizinhava-se a hora do café de muitos, mas o palco principal continuava cheio até acima com aqueles curiosos para espreitar o concerto dos também canadianos Japandroids. A dupla canadiana de garage rock, formada por Brian King (guitarra e voz) e David Prowse (bateria e também ele voz), subia ao palco pouco depois da hora para o entusiasmo de alguns e para a indiferença de outros. Porque a verdade é que o seu travo de rock ‘n’ roll árido, sem solos nem grandes riffs, músicas curtas e básicas que ameaçam sair da adolescência mas nunca chegam a arrancar para sítio nenhum acabou por aborrecer muitos dos membros da audiência que se despediram do grande palco para trocarem a dupla por umas batatas e um hambúrguer. Os temas de álbuns como Post Nothing (2009), assim como Celebration Rock (2012) ainda puxaram pela saudade de alguns, mas letras como “And no known drink / No known drug / Could hold a candle to your love” deixa-nos a questionar a decisão da escolha do guitarrista e baterista como singulares embaixadores do rock no palco principal nesse dia.

O momento seguinte foi talvez o de maior desilusão de toda a edição deste ano do festival minhoto: os Beach House, banda colossal e fazedores de estupendo repertório de pop sonhadora, entraram em palco com mais de 30 minutos de atraso – problemas técnicos, avisaram depois -, e a voz de Victoria Legrand cedo deu mostras de uma fragilidade pouco comum. A opção estética foi a do costume – quase nenhuma luz sobre os músicos -, mas o que em sala resulta numa maior proximidade e num maior espaço para o sonho, no anfiteatro natural de Coura resvalou para o sono. Canções enormes há muitas, e algumas delas viajaram até Coura, casos de “Sparks”, “PPP”, “Walk in the Park” ou “Take Care”, por exemplo. Foi um concerto desinspirado que não apaga a memória de outras noites marcantes ao som do grupo de Baltimore.
Depois do fim de atividades no palco principal, chegava a hora de assumir que a noite continuava, pelo que uma imensidão de festivaleiros marchou decisivo na direção do palco secundário, agora convertido em palco After Hours. Ainda os Beach House se desfaziam em despedidas de amor por Portugal e Roosevelt já se fazia dono do outro recanto do festival, onde centenas de cabeças com sede de dançar já ocupavam o seu lugar cativo junto ao palco. O synth pop do DJ, nascido Marius Lauber na cidade alemã de Viersen, fez o público viajar de dedos esticados para o ar com temas mexidos como “Sea”, “Fever” e terminando com “Night Moves”, agradecendo pela segunda vez ao público português, que já ganhara uma certa afeição à eletrónica para abanar a anca do DJ na edição de 2016 do NOS Primavera Sound.
Os mais corajosos insistiam em permanecer plantados diante do palco After Hours até ao sol raiar, desta vez ao som de Red Axes, surgidos nas ruas de Israel e passados por Amesterdão e Tóquio, e, agora, Paredes de Coura. A eletrónica do duo convenceu alguns, enquanto outros, abatidos pelo cansaço, seguiram na tarefa hercúlea de atravessar o mar de gente e abandonar o recinto.
Texto: Beatriz Negreiros e Pedro Primo Figueiredo || Fotografia: Francisco Fidalgo