Do coração para o quarto e do quarto para o mundo, o novo disco de Tomé Silva é uma ode ao simples ato de criar.
A vida de um músico, como a de qualquer artista, envolve muito entulho. Desde materiais, obras acabadas, obras inacabadas, instrumentos, trabalhos em progresso e esboços, a atividade artística cria sempre muitos artefactos de maior ou menor interesse. Quando Voltar ao Chão, de Tomé Silva é uma experiência de justaposição, uma maneira de tentar criar coesão na junção de fragmentos e esboços. A uma guitarra acústica gravada com o telemóvel, sucede-se um improviso free jazz minimalista, cortado e colado de uma forma aparentemente aleatória. Este mesmo fragmento é depois sobreposto a uma demo de uma canção qualquer. Mais do que tentar encontrar um sentido no meio do caos, Tomé Silva prefere usar estas gravações como uma criança usa plasticina ou Legos: é uma maneira de criar os seus próprios mundos, realidades e situações, numa lógica que dificilmente fará sentido para outras pessoas.
É uma visão e uma maneira de criar que pode parecer solipsista, mas este álbum não se trata propriamente de um catálogo ou de um projeto papier mâché desengonçado ao qual temos forçosamente de aprovar e elogiar para não ofender a criança; é abrir a porta de casa sem a ter arrumado previamente, um testemunho no microcosmo que existe dentro de cada artista. Ao pegar em projetos orfãos e dar-lhes a dignidade de um projeto acabado, Tomé Silva demonstra o amor que existe no processo de criar, mesmo nas coisas que acabam por não resultar em nada.