Quando os Suede se separaram, em 2003, ninguém pareceu importar-se. A tusa tsunâmica da britpop havia passado, os discos iam ficando menos frescos, menos jovens, como nós, e tal como nós o dia a dia parecia mais preenchido com o que tinha de ser feito, em vez de com aquilo que, naquele preciso momento, queríamos no fundo fazer. Se bandas como os Blur, por exemplo, conseguiram adiar a obliteração via a capacidade de reinvenção, esse nunca foi o caso dos Suede. Do primeiro ao último disco distam 23 anos, mas o seu som continua marcado pelas coordenadas que sempre teve: guitarras ácidas e melodiosas, refrões gigantes, pop de primeira água que está com um pé no brilho do mainstream e outro um pouco ao lado, do lado errado da noite.
Em 2013, quase de surpresa, surge Bloodsports, um improvável disco de regresso com uma frescura e uma assertividade que espantou inclusivamente os fãs. Mais, a própria crítica, que não tinha chorado o fim da banda, apercebeu-se com esse disco que, afinal, tinha sentido muito a sua falta. Esse disco foi o início da segunda vida dos Suede. Como bem nota um recente artigo do jornal londrino The Guardian, os Suede sempre foram acerca da juventude, da descoberta, da insatisfação, do receio do futuro. Com Bloodsports, os Suede provaram que podiam ser agora pais, acima dos 40 anos, e continuar a destilar singles pop uns atrás dos outros.
Night Thoughts é o passo seguinte nesse caminho, e podia ser um passo perigoso. Seria Bloodsports um feliz acidente? Estaria a banda confortável na sua nova pele, conseguiria voltar a soar excitante como na maioria dos seus discos. O veredicto é francamente positivo, com uma vantagem: não só estão lá os singles e as malhas, como Night Thoughts vê a banda dar um salto em frente em termos de maturidade e até de ambição.
O disco começa com “When You Are Young”, uma abertura perfeita para qualquer disco. Uma bateria marcial, uma melodia quase oriental, dando uma pompa em crescendo como se nos abrissem os pesados portões para um mundo exótico. Excelente primeiro tema, todo ele, lento, que se desenvolve, e que desagua em “Outsiders”, uma magnífica malha pop, um single viciante ao nível do melhor que os Suede já fizeram.
A energia não se perde em “No Tomorrow”, num tema que nos atira para os anos dourados da britpop. Estamos de volta a 1993, e sentimo-nos optimistas quanto ao futuro (para alguns de nós a coisa correu bem, para outros nem por isso).
“Pale Snow” traz o primeiro tema realmente lento do disco. É uma balada dorida a fazer lembrar momentos do magnífico Sci-Fi Lullabies. De início, a voz de Brett Anderson soa demasiado despida, demasiado melodramática, demasiado baladeira. Felizmente, os Suede de 2016 têm mais truques na manga, e a canção volta à vida com uma mudança de ritmo e de tons, ligando sem pausas a “I Don’t Know How to Reach You”, como se fossem apenas uma música. Esse é, aliás, um dos trunfos deste disco, coeso à prova de bala, que se ouve como se fosse um álbum conceptual, com os temas encaixando perfeitamente uns nos outros. Esta última canção traz-nos o bom e velho refrão Suede, numa música construída de forma pouco óbvia, apesar disso. É o tema mais longo do disco, e tem lá dentro várias canções, em mais uma prova de mestria musical que até surpreende.
“What I’m Trying to Tell You” começa num ritmo quase de folclore irlandês, saltitante, até desembocar na clássica guitarrada de Oakes e em mais um refrão assassino. Experimentação dentro do esquema Suede, num exemplo de crescimento que não aliena um único fã.
O registo de balada regressa com “Tightrope”, que padece talvez de um excesso de dramatismo na voz de Anderson, apesar de o tema ser lindíssimo. As coisas descambam é com “Learning to Be”, nova balada, e esta já um bocado foleirona, com o vocalista a abusar do falsete.
Felizmente, o disco arranca de seguida para uma recta final de alto nível, com “Like Kids”, um tema Suede vintage com tudo no sítio. Mais um excelente single a pedir rádio (que não terá, já sabemos). “I Can’t Give Her What She Wants” ameaça a xaropada com mais uma balada, mas a complexidade da composição e do desenvolvimento da música salvam o tema. “When You Were Young” retoma a melodia exótica do tema de abertura com arranjos diferentes, em reprise, reforçando o carácter conceptual do disco. “The Fur and The Feathers” encerra Night Thoughts, mais um tema lento que se vai desenvolvimento, trazendo à memória velhas pérolas como “Daddy’s Speading”, do então incompreendido e hoje muito amado Dog Man Star.
Curiosamente, há paralelismos entre Night Thoughts e aquele segundo disco dos Suede, de 1994. Em ambos se nota a ambição de fazer um verdadeiro álbum, e não apenas uma colecção de singles, por melhores que estes possam ser. Em ambos se percorre uma estreita linha que separa a complexidade (sem nunca deixar de ser pop e altamente audível) da pompa gratuita. Em ambos, sobretudo neste disco de 2016, se sente esta coesão que nos faz querer ouvir o disco do princípio ao fim, pela ordem correcta (óptimo trabalho, diga-se, na ordem e sequência das músicas).
Anderson explica que, liricamente, este disco teve como inspiração a experiência da paternidade, embora, de uma forma muito Suede, o cantor se tenha focado na passagem do tempo e no medo que tal necessariamente inspira numa pessoa (especialmente alguém que foi uma rock star inconsequente boa parte da sua vida). A verdade é que, nos Suede, a mensagem das letras sempre interessou muito pouco. Também aqui, apesar da ambição de um disco realmente bem conseguido, o que temos é um aprofundamento de métodos de composição e a exploração de vias menos óbvias de desenvolvimento de cada música, com uma verniz cinemático do princípio ao fim (a ligação ao cinema deve ser destacada, até porque a edição especial do disco surge com um DVD com uma curta-metragem dedicada a cada música) . Mas a verdade é que os Suede nunca quiseram mudar o mundo (para isso temos os Radiohead desta vida), nem os fãs querem isso. Para Night Thoughts ser ainda melhor, aqui entre nós, tirava-lhe uma ou duas baladas, que destoam da qualidade do resto do disco.
Ambição, qualidade, eficácia. Mais um óptimo disco dos Suede, que os fãs como eu agradecem, provando que esta segunda vida não é para receber umas massas e destilar a batelada de êxitos do passado. Bem-vindos e volta.