“I can hold my arms wide open
But I need you to drive the nail”
versos de “Broken Man”, terceiro tema de All Born Screaming
All Born Screaming é o título do mais recente trabalho de St. Vincent, a artista que tanto queremos adorar, mas que parece esforçar-se para que essa profunda veneração não aconteça como gostaríamos.
Annie Erin Clark continua a parecer não ser muito nossa amiga, mas somos nós que estamos enganados. St. Vincent é uma estrela de várias pontas. Nas suas extremidades artísticas bem aguçadas encontramos pop, rock, experimentalismo, arte conceptual. A mistura que faz de tudo isso produz álbuns que, sem exceção, gostaríamos sempre de amar muito mais do que verdadeiramente amamos. Ao vivo, por exemplo, as suas canções ganham uma vida e um impacto profundos, algo que nem sempre transparece nos registos de estúdio. No entanto, não queremos correr o risco de sermos mal entendidos, daí a clareza da expressão seguinte: Gostamos muito de St. Vincent, mas gostaríamos de gostar ainda mais.
Há qualquer coisa nova em All Born Screaming. Por comparação com o anterior Daddy’s Home, este seu novo trabalho resulta mais denso e sofrido (em boa parte do LP), mas também se mostra capaz de brilho, de alguma ruidosa claridade, por vezes próxima do sol do meio-dia, quando forte e abrasador. Numa coisa, St. Vincent nunca falha: no charme com que nos provoca. Atentemos, então, a mais uma inquietante provocação da menina nascida em Tulsa, Estados Unidos da América.
Algum indie-industrial ao estilo de Trent Reznor, algumas baladas a lembrar Tori Amos dos primeiros álbuns, uma boa dose de funk eletrónico à maneira de Prince e estão traçadas as linhas orientadoras de All Born Screaming. Juntar tudo isso, aproximar todas as diferenças que as linhas anteriores anunciam, é obra. É o que faz St. Vincent ao utilizar conectores musicais capazes de aproximar as dez canções do seu novo disco. Com brilhantismo, em alguns casos, as canções que se seguem são claramente as melhores, as mais capazes, as mais pungentes: “Hell Is Near” é claustrofóbica, mas bem melodiosa, simples e cativante; “Reckless” aprofunda mais o sentimento de perda, de abandono (é tão Tori Amos este tema, meu Deus!) que vai pontuando alguns dos momentos do álbum; “Big Time Nothing” é dançante e poderia muito bem ter sido feita pelo malogrado príncipe de Minneapolis; “Violent Times” talvez seja a canção mais conseguida, a melhor do álbum, que talvez ficasse bem num filme futuro de James Bond (tem encanto, grandiosidade, magia e alguma insinuante luxúria); “So Many Planets” é um inusitado funk-reggae que soa bem, como sabe bem um “six pack of beer” gelado no calor do verão, e “All Born Screaming” é perfeição pop conceptual (com Kate Le Bon a ajudar à festa).
St. Vincent é uma atriz no mundo da música. As suas constantes mudanças de persona são a prova disso. Inquieta e incapaz de permanecer num só terreno, as máscaras de St. Vincent são muitas e podem baralhar-nos, confundir-nos, sobretudo se, de seguida, a loba má se transforma num cordeiro puro e virginal. Mas não se confundam: St. Vincent não deseja assustar-nos. Antes pelo contrário. Ela quer ser nossa amiga, quer que lhe prestemos atenção. Quer carinho e aplausos, como qualquer diva digna desse estatuto. Por isso, e regressando aos versos em epígrafe deste texto, não seremos nós a cravar-lhe o prego da sentença crítica. Ela está de braços abertos, pronta a abraçar-nos com toda a sua força e sensibilidade. E nós, capazes das maiores cortesias para com ela, somos humildes e simples, porque a amamos muito. E quando é esse o caso, estamos sempre dispostos a fazer dos seus discos a boa cruz que teremos de carregar até à desejada redenção, que surgirá, estamos certos, no álbum seguinte.