A névoa mantém-se, mas nem assim os ânimos arrefecem. O primeiro dia completo de Sonic Blast foi vivido de prego a fundo. Vários registos, ainda mais estilos … mas sempre a abrir!
Ainda era de manhã… ou, pelo menos, assim o parecia, quando os Capela Mortuária subiram ao palco 3 do Sonic Blast para dar à chave no dito dia 1 do festival. Nada que fizesse que a malta se deixasse ficar na cama até mais tarde. Como poderiam … com este som à espera?
Coloquem as vossas melhores referências de thrash, hardcore, death e black num liquidificador muito potente – não é preciso coar, que o grão ainda dá mais sabor – e talvez o resultado se aproxime um pouco da bela pancadaria sónica proporcionada pelo quinteto bracarense e seus convidados ao destilar as malhas de Monstro (2023)! No fim, e já envolvido pelo molhe, a homenagem a Ozzy, com uma versão acelerada de “Paranoid” a obrigar Júlio a mudar de idioma, mas sem perder – felizmente – o sotaque!.
Os BOW voltaram a mudar de praia durante os 4 dias mais fervilhantes do ano e voltaram a dar-se muito bem com os ares do Minho. Até porque o capacete de névoa que se instalou em Âncora faz bem lembrar o micro clima do Oeste. A promoção a um palco maior e mais distante do público não amedrontou a banda, e a entrega foi tão intensa como tivemos a sorte de testemunhar anteriormente no palco 3 ou no Vortex
Das minhas audições prévias ao festival (não só não dá para conhecer tudo, como uma das melhores coisas deste festival é descobrir música nova), os californianos Hoover III terão sido uns dos que mais me entusiasmaram. A promessa não só foi cumprida como superada, Aliás, o quinto álbum, Manhunter (2025), vai já entrar para a lista do “é urgente ouvir” já para a semana. Sob um fundo garage psicadélico, os Hoover III vão tricotando canções cheias de uma sensibilidade pop rock rock, que em conjugação com o timbre do vocalista principal nos trazem os Cars à memória. Belas harmonias vocais fazem companhia a um groove contagiante e a linhas melódicas dinâmicas e muito bem definidas, até que nos últimos minutos soltaram rédeas à doideira psicadélica e a massagem aos nossos ouvidos mereceu um final feliz!
Na mesma costa, mas um bom bocado mais acima fica Portland, terra dos Spoon Benders. A etiqueta garage rock psicadélico até pode ser muito parecida com a dos Hoover III, mas os ventos mais frios do Norte trazem mais negrume e menos sol e daí resulta uma abordagem mais direta e sobretudo menos redonda. Estes quatro americanos ostentam um travo grungie, na sua vertente mais suja e áspera, mas sempre com um sentido melódico muito presente. How things repeat (2023) pode soar a disclaimer, mas asseguro-vos que apesar de aqui e ali pensar que encontrei alguns laivos de Siouxsie Sioux na voz de Katy Black, de drumrolls à Nirvana e riffs de inspiração Corguiana, há muito sangue fresco e criatividade no som da banda. A seguir!
Os noruegueses Slomosa trazem o primeiro ajuntamento de massas junto de um dos palcos principais. A expectativa não era, portanto, apenas minha e Tundra Rock, do ano passado, muito terá contribuído para isso. Subamos ainda mais a Norte! Desfrutemos do frio! Desfrutemos do gelo! Os Slomosa trazem-nos um stoner pejado de queimaduras de gelo. Duro, tão duro que foge frequentemente para tons mais metálicos, há headbanging no público, mas também no palco, a baixista/vocalista Marie Moe faz esgares de meter medo! O ritmo e os riffs são profundos e viciantes. Afastado da multidão, dou por mim sentado a bater o pé no chão e a abanar a cabeça! Estrondoso! Duro e estrondoso, mas adocicado à conta de pepitas doces sob a forma de guinadas melódicas na guitarra e nas vozes, que a banda vai lançando a espaços!
“V70” arranca com Cal Francis em cima das barreiras de proteção, mesmo ali em cima do público. Primeiro em sentido figurativo … depois literal. Ainda estamos na primeira e já está lançado o caos de que estes Ditz gostam tanto. Chamam-lhes post punk, mas não são só mais uns! Há uma irreverência e um peso que lhes é muito próprio, e que não faz deles um corpo estranho neste festival. Bem pelo contrário! Há noise, há disfuncionalidade, há hardcore e emoção a rodos, apesar das caras frias e aparentemente distantes dos músicos! É emoção contida, enfiada para dentro, à bruta … e depois libertada ainda mais à bruta, em distorção e garra! Never Exhale está aí desde janeiro a fazer mossa e a galgar espaço na mente, e é por isso mais do que natural que domine o alinhamento! Cal Francis jura amor pelo nosso país e pede-nos para os chamarmos de novo. Desconfio que não cairá em saco roto.
Ainda nem começaram a tocar e já comprei a primeira proposta dos Earthless! Isaiah Mitchel ostenta na T-shirt a ideia de Alice Coltrane para presidente. Compramos já! A segunda é tocar Sonic Prayer na íntegra! O seu primeiro álbum, lançado em 2001, mas longe de estar datado. Um compêndio de música psicadélica instrumental, dividido em dois tomos, onde Isaiah (guitarra), Mike Eginton (baixo) e Mario Rubalcaba (bateria) dão uma lição de rock setentista, jazz, blues, stoner, prog e tudo mais que conseguirem desvendar, mas sobretudo como integrar todos estes elementos em composições loooongas, mas estimulantes e inspiradoras! Poucas palavras, sim? Fechem os olhos … até porque falta pairar ao som da sua versão de “Rat Salad”, porque, afinal de contas, são dias de homenagem!
Por falar em homenagem, o Sonic Blast encheu-se de uma imensa treva para receber os belgas Amenra. Do palco irrompem feixes brancos como raios de sol numa velha casa abandonada, deixada ao arbítrio dos elementos. Sim, é um chavão pseudo lírico, admito. Permitam-mo! E permitam-me prosseguir com esta imagem dos contrastes entre branco e negro, entre (quase) silêncios e explosões, entre dedilhados de guitarras e paredes de distorção, entre murmúrios doces e gritos de agonia! A síntese gótica entre o post metal e o black metal dos Amenra joga precisamente com esses contrastes, com um pára arranca diabólico, monolítico, monocromático, mas ainda assim nada monocórdico ou monótono! Há crescendos de tensão empolgantes, descargas energéticas marcadas pela dança repetitiva de Colin H. van Eeckhout, quase sempre de costas voltadas para o público, que responde com movimentos repetitivos entre o headbanging e a vénia!
E que tal um pouco de Sol agora? Sol aberto, sem nuvens! Venha a Califórnia… venham os
Fu Manchu!
Depois de um dia cinzento de (quase) nevoeiro, as Dunas do Caldeirão esboçaram um sorriso gigante desde os primeiros acordes destes já (quase) veteranos californianos. A digressão de promoção do último disco, The Return of Tomorrow (2024), chegou finalmente a Portugal, e notou-se a sede do publico do festival. Dança, crowdsurf, letras cantadas a plenos pulmões… o acompanhamento necessário à parelha de guitarras saturadas de fuzz e ao ritmo balançante e livre de preocupações, que caracteriza o quarteto!
I’m pickin’ up good vibrations
Deixa perfeita para entrarem os Máquina em cena! O trio lisboeta marca presença pelo segundo ano consecutivo na festa blástica, por certo pelo sucesso da sua actuação na edição 2024. Ainda há menos de duas semanas os apanhei no Montijo e cá estou a dançar, … mesmo depois de quase 12 horas de festival! É aquela máquina! Estava mortinho para escrever uma piada que só a malta com mais de quarenta poderá perceber! O jogo de luzes é tão forte que quase não se vêem em palco! A música e as tais boas vibrações não se ressentem. O balanço é poderosíssimo e por todo o recinto se encontra alguém a dançar fervorosamente!
Fotografias: Rui Gato
























































