No primeiro disco pós-Brexit, os Sleaford Mods dão-nos mais uma dose do seu minimalismo nervoso e urgente, num ataque cerrado de ira e humor corrosivo que não poupa ninguém, nem a eles próprios.
“It says everything about this fucking place. It’s comedy, it’s make-do, it’s ignorant and above all, it’s shit”. É desta forma que Jason Williamson, o bardo irado dos Sleaford Mods, explica o título do novo disco. Encontrou-o no menu de um qualquer pub inglês, que tinha uma oferta de batatas fritas, ovo, uma pequena empada de porco e um pickle, sob o nome English Tapas.
Os Sleaford Mods – duo composto por Williamson e o instrumentista (?) Andrew Fearn – são mais do que uma banda de protesto. Encharcam tudo num humor corrosivo e acelerado, que não poupa as suas vítimas, mesmo quando elas são eles próprios.
English Tapas é o nono disco de originais de uma banda que finalmente se fez ouvir com Divide and Exit, de 2014, como o grupo que representava a Grã-Bretanha esmagada pela austeridade. É também a terceira edição em três anos, depois do álbum Key Markets, de 2015, e do EP TCR, de 2016. E, mais importante que isso, é o primeiro disco do duo editado por uma major, a histórica Rough Trade Records.
Na verdade, e rapidamente a dúvida é desfeita, isso acaba por não fazer diferença nenhuma. Os Mods não precisam de um estúdio caro ou de um produtor de nomeada. A sua base é a mesma desde sempre: Fearn sentado em casa, a beber cerveja enquanto monta beats instrumentais minimalistas (só batida e baixo, normalmente) no portátil; e Williamson de caderno no bolso, observando a decadência inglesa e o esmagamento popular e daí compondo as suas diatribes zangadas e carregadas de cuspo e indignação.
Em análises a discos anteriores dos Sleaford Mods questionámos se seriam capazes de sair da sua originalíssima mas limitadora fórmula e ansiávamos pelo passo em frente. É altura de admitir que isso não vai acontecer, ou então já teria acontecido. Musicalmente, English Tapas é Sleaford Mods em modo clássico, não arriscando sequer algumas incursões que, em álbuns anteriores, havíamos erradamente apontado como pistas de um futuro sonoro que afinal não se concretiza.
Feitas as pazes com esta coerência (se quisermos ver o lado bom da coisa) e com esta monotonia musical (se quisermos ser mauzinhos), a verdade é que English Tapas consegue atingir-nos com a vitalidade de sempre.
É o primeiro disco dos Sleaford Mods após o Brexit, e isso teria de notar-se na banda mais política do momento. O fenómeno é abordado em “Snout”, com frases como “Like scared kids, like scared kids, because that’s all you are, rubbing up to the crown and the flag and the notion of who we are – fuck off”. Outro exemplo está em “Carlton Touts”, quando Williamson confessa, confuso: “What the fuck is happening? Bring back the neo-libs, I’m sorry – I didn’t mean to pray for anarchy.” Na Inglaterra da austeridade, as coisas podiam sempre ficar piores, e ficaram, com a vitória do medo, da xenofobia e do retomar das rédeas de um país, mas num movimento liderado pelos conservadores privilegiados como Boris Johnson.
Os Sleaford Mods são políticos, sim, mas não são panfletários. Tudo é narrado do ponto de vista de Williamson, do que vê, ouve e sente, e mesmo os seus ataques à família real ou aos multimilionários caçadores de raposas são tanto dirigidos a estes como ao povo que os idolatra e lhes permite manter os privilégios à custa de milhões. Essa é a decadência que Williamson narra: cultural (a obsessão com os gadgets e as redes sociais), política e social (o culto do dinheiro, as bebedeiras desesperadas de sexta à noite das quais o letrista admite ser parte).
Esse é outro trunfo de Williamson, esse lado pessoal e auto-depreciativo, como quando nos narra a dificuldade em adaptar-se à paternidade, ao passar dos anos, quando persegue uma noite de excessos para se agarrar a uma luz de juventude, apenas para perceber que está velho, não se adapta às discotecas ou ao que os putos fixes acham que se deve vestir para sair à noite. Williamson é um Harvey Pekar (lembram-se de American Splendor?) cruzado com um hooligan de esquerda.
Tudo isto, naturalmente, sempre impregnado da verdadeira arma secreta deste poeta e terrorista das ruas: o seu humor arrasador e hilariante.
English Tapas não é o melhor disco dos Sleaford Mods. Mas também não há um melhor que este. É mais do mesmo, e isso, agora, não faz mal. Esta vitalidade, esta combatividade, esta consciência individual que nos pinta um retrato colectivo do aqui e agora, tudo isso fazem dos Sleaford Mods uma voz absolutamente essencial.
Queríamos mais inovação e complexidade musical, não era? Bem, isto não é rock progressivo, e provavelmente ainda bem.
São dois hooligans irados com o estado a que o seu país chegou, narrado pelo maior poeta popular dos nossos tempos, ao mesmo tempo zangado e hilariante, um prisioneiro na roda cada vez mais rápida da sociedade actual.